6 de março de 2008

Um Pequeno

(foto: deviantart.com)

– Um pequeno, e rápido que estou com pressa!
– Senhor?
– Um pequeno, não já falei? Está surda?
– Mas um pequeno o quê?
– Como um “pequeno o quê”? Que tipo de pergunta idiota é essa? Afinal de contas isso aqui é um cafezinho ou não é? – enfatizou bem o termo “cafezinho”.
– Sim senhor, isso aqui é uma cafeteria, com certeza. – enfatizou bem o termo “cafeteria”.
– Então, pense comigo, já que estou percebendo que você não é muito de fazer isso sozinha. Se isso aqui é uma cafeteria, como diz você, então é porque aqui se vende café, não é isso?
– Sim senhor. – estava a ponto de avançar no pescoço dele como um cão raivoso. Mas já havia sido alertada pelas companheiras de que de vez em quando aparecia um cliente como aquele, mais abusado do que patrão em dia de pagamento.
– Então, se não vejamos, se aqui vende café, e eu pedi um pequeno, então eu quero um café pequeno. Não lhe parece lógico? Mas claro, me perdoe a arrogância, vejo que seus cabelos são loiros, não poderia esperar muito de você.
Mentalmente ela contava até dez. Tinha uma caneta na mão, uma simples esferográfica, mas lembrava-se bem de ter visto em um filme um cara matar outro com clipes de papel, se ela fosse rápida o bastante enfiaria a caneta no olho mais próximo e se deliciaria com a morte agonizante daquele estúpido. Percebeu que enquanto falava ele babava, cuspia todo mundo, o que lhe lembrou um porco. Pensava isso tudo com um sorriso solícito no rosto. Um velho truque aprendido no supermercado no qual trabalhara antes. Lembrou-se com prazer que certa vez, enquanto mantinha aquele sorriso plástico no rosto, xingou uma cliente por quase uma hora inteira, enquanto a atendia. Resolveu ver se conseguia bater o recorde.
– E então, vai ficar aí sorrindo ou vai me trazer um café pequeno?
– Senhor, nós temos vários tipos de café, e todos eles podem ser pequenos ou grandes. – babaca, estúpido, gordo idiota, balofo assexuado.
– Minha amiga, se é que posso lhe tratar assim, claro.
– Claro que pode, senhor. – fresco, veado, Bambi afogueado.
– Então que seja, cara amiga loira. Eu quero um café, é só isso.
– Mas nós temos vários tipos, como lhe disse antes. Temos o expresso, o cappuccino, o espumone, o latte, o russo, o inglês, e vários outros. – tenho certeza que seu pênis cabe dentro de um dedal, com folga, que você não levanta nem com Viagra, que mesmo que levantasse, ninguém em sã consciência deitaria com você seu porco imundo.
– Que mané inglês? Que mané russo? É por isso que esse país não vai para frente, estão substituindo o café nacional por esses sem tradição. Eu quero um típico brasileiro e vá logo.
– Um expresso pequeno, então? – você fede como gambá, fico imaginando que seu corpo nu só serviria como modelo de filme de terror, e essas unhas mal feitas e sujas, onde foi que as andou enfiando? Não me responda, seria muito indelicado provocar vômito nos nossos clientes.
– Isso! Mas ande logo que já estou atrasado para um compromisso.
– Pois não, senhor. – Bigode de rato. Folote. Arrombado dos cavalos de João Dantas. Ela gostava particularmente deste, havia aprendido com um amigo pernambucano.
Dirigiu-se ao balcão para efetuar o pedido com o rosto afogueado. Raiva? Não! Começava a se divertir com a situação. Estava imaginando algumas coisinhas que poderia fazer para sabotar o café do distinto cavalheiro que estava servindo. A mais simples era deixar o café esfriando no balcão um tempinho enquanto fingia atender alguma outra pessoa. Também poderia dar uma boa cuspida na xícara, antes de encher de café. Por um momento pensou em algo melhor, mas não daria para tirar as calças ali no meio do shopping e brindá-lo com um “café de ouro”, e depois não estava com vontade de se aliviar mesmo.
– Que é que estava pegando ali na frente? – Era uma de suas colegas, justamente a que fazia o café.
– Você não vai acreditar no quanto aquele imbecil é grosso. Quase me bateu só para pedir um cafezinho.
– Eu acredito sim. O que vai ser?
– “Um pequeno”.
– Um pequeno o quê?
– Pois é, tudo porque eu fiz a mesma pergunta. É um expresso pequeno.
– Ah! Vai deixar esfriar um pouquinho.
– Não. Manda um especial.
– Ok! Mas eu estou ligeiramente resfriada.
– Melhor ainda, será um especial asiático então.
Ambas sorriram. A colega foi fazer o café, mas antes deu uma boa cuspida, meio amarela, meio amarronzada, dentro da xícara. Preparou tudo e colocou sobre o balcão.
– Saltando um expressinho especial asiático.
– Perfeito.
– Está xingando ele mentalmente?
– Positivo e operante.
– Eu sabia que você se daria muito bem aqui.
– Obrigada.
Ambas sorriram novamente. Ela voltou para a mesa com o café sobre a bandeja. Mal podia esperar pelo grande momento.
– Já não era sem tempo! O que foi, estavam plantando o café?
– O senhor prefere adoçante ou açúcar? – babaca, mané, branquelo, gambá depois de correr uma maratona.
– Mas você consegue fazer cada pergunta não é? Você é realmente devagar assim ou está nos seus dias? Que negócio de adoçante é esse? Macho que é macho só usa açúcar, minha cara amiga loira. Açúcar, entendeu? E depois, por que perguntou se está tudo aqui em cima da mesa?
– Porque, como o senhor pode ver, em cima da mesa nós temos adoçante em pó e açúcar. Caso o senhor optasse por adoçante eu lhe perguntaria em seguida se preferiria o líquido. – beba o café, beba o café, beba o café!
– Que bonitinha, está tão amestrada! Agora saia daqui, tomar café requer concentração para apreciá-lo e você está me atrapalhando.
– Pois não senhor – saiu rapidamente em direção ao balcão. Sua amiga já estava lá pronta para se divertir.
Ficaram as duas bem atentas enquanto o cliente colocava meticulosamente o açúcar dentro da xícara. Parecia que realmente ele tinha uma espécie de ritual para tomar café. Depois de colocar o açúcar, pegou a colher com a mão direita, passou para a mão esquerda e começou a mexer o conteúdo devagar, cadenciado, quase que compondo uma música. Ao mesmo tempo fechou os olhos e aproximou seu rosto da mesa para aspirar o cheiro do café. Deu duas boas aspiradas e um pequeno sorriso surgiu no seu rosto. Elas não deixaram de pensar o quanto um homem pode ser ao mesmo tempo tão grosso e tão delicado. Surgiu até uma ponta de arrependimento pela peça que pregaram no cliente. Mas bom, estava chegando o grande momento. Ele pegou na asa da xícara e estava prestes a levantá-la quando chegou um amigo seu.
– Desculpe o atraso. Puxa, o trânsito está horrível!
– Que mané trânsito? Que mané trânsito? – disse pousando a xícara na mesa.
– Qual é, fica na tua! O trânsito estava ruim e ponto final!
– Que fica na minha? Que fica na minha? Fica você na sua!
– Termina logo com essa porcaria aí e vamos embora!
– Não me diga o que fazer! Se me encher muito o saco eu não tomo o café e nem saio daqui para lugar nenhum.
– Toma logo, seu imbecil, e vamos embora, o pessoal já está esperando.
– Não vou tomar, não! – cruzou os braços e fechou a cara, olhando para o outro lado. Um menino fazendo birra perderia de longe.
– Ah, vai tomar sim – era a garçonete que assistia tudo e mal poderia esperar para vê-lo virando o expressinho especial asiático. – eu não acredito que logo o senhor vai deixar que alguém atrapalhe o seu deleite de tomar um bom café?
– Estou começando a gostar de você loirinha. – disse isso quase estirando língua para o amigo que tinha chegado. Pegou novamente na asa da xícara e foi levantando em direção à boca.
– Agora deu para ouvir conselho de garçonete, eu não acredito!
– E daí? Que é que você tem a ver com isso? – pousando novamente a xícara na mesa.
– Vou contar para todo mundo que você está amolecendo.
– Não ligue para ele, tome o seu café e prove que quem manda é você.
Ficaram todos calados, um olhando para o outro. Ele estava começando a suar frio. Não sabia a quem dar ouvidos. Encontrou a solução. Ambos queriam que ele tomasse o café, então não tomaria, não pagaria e nem ia para o encontro que estava previsto. Pronto, assim não satisfaria ninguém e ainda sairia por cima.
– Não vou tomar, não vou pagar e vou para casa! – falou com um sorriso tresloucado estampado no rosto. Foi se levantando rapidamente e saindo da cafeteria, não deu tempo de nenhum dos dois esboçar qualquer tipo de reação.
– Puxa vida! Aquele idiota! E agora, que é que vou dizer para o pessoal?
– E eu? Como vou justificar este café perdido? – na verdade, estava triste por não ter se vingado das grossuras do cliente.
Silêncio.
– Bom, já que não tem nada mais para fazer, e o café já está perdido mesmo – o colega do cliente foi dizendo isso e tomando o café quase que de um gole só. – uma delícia! E tem mais, não vou pagar, porque se você não tivesse se intrometido ele teria tomado e ido comigo.
– Tudo bem, senhor. Fica por conta da casa. – ele não entendeu bem o sorriso satânico no rosto dela, mas o que importava? Tinha acabado de tomar um excelente café pequeno, com um gosto estranho, exótico, mas definitivamente muito bom.


2 comentários:

Simoni Oliveira disse...

Às vezes a vida parece desse jeitinho aí mesmo. As pessoas que devem ser castigadas são beneficiadas por alguma ironia do destino ou harmonia dos planetas, astros ou alguma arte dos céus. E quem paga o pato, nem sempre merecia tomar o gostoso café pequeno asisático.

Letícia disse...

Eis o escritor que conheço e aprendi a admirar. Um recorte da vida e vc faz um acontecimento gigante. Essa é a sua literatura que mais admiro e tenho vontade de ler. Comprarei seu livro - no matter what.
Bjs.