31 de janeiro de 2008

Só o vento ecoa...


Mesmo assim tenho minhas dúvidas. Não se pode negar um fato, muito menos deletá-lo do seu dia. Agora é aprender a como conviver com essas paredes pintadas, com desenhos que nem mesmo sei como foram feitos. Foi tudo um traçar de linhas e de repente já estava lá. Vejo repetições, atitudes não mais que tentativas de manifesto em vão. Aqueles que um dia lutaram, já não lutam mais e esperam simplesmente pelo raiar do sol ou uma intervenção divina que possa dar rumo ás suas palavras perdidas. Pouco se pode esperar daquelas roupas velhas que não saem nem mais pra passear, e dos perfumes caros que um dia foi sinal de que a noite terminaria bem. Todo o corpo luta pra que suas tentativas não sigam o caminho da indiferença. E é aí nessa exata bifurcação que a mente permanece atenta. Sua alma ainda quer, seu coração ainda pulsa, seus olhos ainda procuram pela primeira imagem gravada daquele rosto brilhante parado em sua frente. Só o solêncio do vento ecoa, mas ouça o silêncio, que saberá o caminho certo.
Mattoso

30 de janeiro de 2008

Parada num Momento


Ninguém por perto, preciso de um recesso e de uma opinião. Um rasgo inesperado, um tiro de mentira, deixando uma lacuna e mais alguns espaços vazios de desilusão. Volto a caminhar nesse mundo que eu desconheço, onde só carrego no bolso meu pouco apreço por essa situação. Eu tento achar a confiança, um sinal de merecimento ou algo que eu possa usar como argumento, mas tudo é tão semelhante, quem sabe falar o que vier na telha, livre, sem medo, de coração. Mas não quero falar a respeito. Não acho palavras, nem encontro quem me diga o que fazer, ou dizer, ou pensar e não posso compartilhar com você. Porque é tudo muito estranho, assustador. É só mais um dia de inverno. Me espera na próxima parada, dessa vez prefiro viajar sozinha.

29 de janeiro de 2008

E Ele Sonha

Linhas paralelas que partem de Capricórnio à Câncer e se enroscam no infinito, transmudando paralelos em meridianos, medindo forças com o destino e brincando com fogo, como crianças imaturas. E ele sonha. Sem nexo, sem sexo, perplexo diante de revelações do que já julgava perdido e esquecido até a próxima vida. Envolvido entre as estrelas e planetas e sóis e luas e dúvidas e esclarecimentos providenciais de um universo particular, numa dança cômica, atrapalhada, difusa, confusa e profusa. Larga velhos vícios, adquire novos. Gasta o dia com a imagem na cabeça. Gasta a cabeça com idéias perdidas e achadas por trás do bolor do sofá. Gasta o corpo. Ele e mais cinco. Imagina curvas, imagina reentrâncias, imagina o calor, imagina o sabor do querer até não mais poder agüentar, e explode em ondas e miríades e urros silenciosos. E ele sonha. Quer gritar, não pode. Quer contar, não deve. Quer tocar, quer experimentar, quer morder, beijar, abraçar, resolver, entender a equação do fruto proibido. Quer ouvir, quer adorar e ser adorado, pôr em pedestal e não tocar, só observar. Pôr entre lençóis, e nem por um minuto abrir os olhos, apenas sentir e fazer-se sentir, lá, onde se guarda o que se quer dar. E ele sonha. Acordado, no controle, do jeito que gosta que seja. Sonha. E deseja o que não pode ter, mas terá?

27 de janeiro de 2008

Um Terrível Causo de Polícia

Vou contar um causo de polícia. Sei que na maioria das vezes vou contar causos aqui que envolvem mulheres e, já pensando nas milhares de queixas que posso receber, quero deixar claro que não é machismo, perseguição, inveja, ou qualquer outra coisa, é simplesmente, e isso é apenas uma tese, o fato de que as mulheres parecem possuir a tendência de se meterem em enrascadas mais facilmente. Talvez se explique o fato através da ainda presente imagem do inconsciente coletivo de que a mulher é o sexo frágil. Calma meninas, muita calma nesta hora! Se meu estilo sutil não convencer vocês, lembrem-se que sou um cara armado e perigoso e estressado e vivo sob pressão e posso estourar a qualquer minuto e não pisem no meu calo e encosta na parede, levanta os braços e num diz um pio, senão...

Bem, tendo apresentado as minhas desculpas, sigamos em frente.

Estava eu rodeado de inquéritos policiais, no aconchego do meu feudo, o cartório policial, quando entra o delegado com uma mulher de aproximadamente uns vinte e cinco anos, bonita, de cabelos loiros, corpo mignom, um olho aberto e verde, e outro olho inchado e roxo. O olho parecia mais uma luneta pós moderna colorizada por Andy Warhol num arroubo artístico de mau gosto. Ela sentou-se choramingando na minha frente, e claro, o delegado não precisaria explicar o óbvio. Tratava-se de mais um caso de violência doméstica.

Ela me observou com aquele olho que podia se mexer durante todo o processo de qualificação para a lavratura do procedimento, que naquela época, antes da Maria da Penha, era bem simples. Falava pouco, estava numa espécie de torpor causado pelo choque. Em breve eu conheceria o causador de tamanha covardia.

Aqui se faz necessário questionar, pacato cidadão, se você faz idéia do tipo padrão de homem que pratica tal violência? Não? Talvez pense você que o cara que normalmente bate em mulher é grande, forte, tatuado, usa uma barba em desalinho e pilota motos usando jaquetas dos Black Angels. Sinto desmistificar o estereótipo, mas na média é justamente o contrário. Embora tais homens, se assim podemos chamá-los, pareçam neandertais no comportamento, na aparência eles se parecem com você, ou seja, normal como qualquer um.

E então veja lá, eis que surge no cartório o grande brucutu moderno! Mais magro do que eu (e isso requer esforço hercúleo, pode acreditar), com aproximadamente 1,60m de altura, branco, meio calvo, com os dois olhos castanhos, o que me fez pensar se não seria uma boa também lhe presentear com um carimbo Andy Warhol. Ei cara! Veja só, com umas seis fotos unidas num painel e colorizadas por mim, você vai parecer a Marilyn! Talvez não a Monroe, mas com certeza o Manson!

E é aqui que a coisa começa a ficar torta...

Preciso dizer que antigamente, antes daquela Maria já citada, no caso de violência doméstica que resultasse em lesão corporal leve, o procedimento só seguia adiante mediante representação da vítima. Trocando em miúdos, a polícia e a justiça ficavam amarradas à vontade da pessoa que sofreu o prejuízo para poder tomar alguma atitude, caso contrário o agressor é liberado sem nem um registro negativo sequer.

O brucutu moderno nem percebeu que eu estava na sala, foi logo se aproximando da esposa e dizendo: “Meu amor, me perdoe!”. Dá para acreditar em tamanha cara de pau? Mas então os anjos viraram os rostos, as flores murcharam, os pássaros caíram mortos no chão e o sol se escondeu com vergonha quando a vítima fitou o agressor, com aquele par de olhos descompensados, e disse: “Porque você fez isso?”. Foi difícil custar a entender que, apesar de surrada, a vítima ainda entabulava uma conversa com o agressor. O amor não é lindo? Eu disse amor? E então deu-se início a um acordo de paz entre os dois, tendo a mim como expectador estupefato (e que, apesar do choque, servi-me de uma pipoca e um coca light curioso pelo fim daquilo).

O brucutu passou o braço por sobre os ombros da louca... ops... digo, vítima, e foi desfiando toda aquela ladainha de cafajeste no ouvido dela, que aos poucos foi se aproximando até apoiar a cabeça no ombro dele!!!! Comecei a me questionar se deveria sair da sala e deixar o clima rolar solto, mas lembrei-me que estava numa delegacia e devia manter o decoro do lugar (se bem que quebra de decoro é a base de qualquer receita de boa pizza). Mas antes que pudesse fazer algo eis que ocorre o inusitado! Um beijo!!!! Não, num foi só um selinho comemorativo das pazes. Nãããããããão! Eles tinham que comemorar com estilo. Foi um tremendo, com perdão da má palavra, beijo francês!!!

Fiquei eu ali diante daquele casal bizarro, e então me dei conta que eles não eram tão bizarros assim. Infelizmente eu já tinha ouvido falar de situações semelhantes, embora nunca as tivesse visto ao vivo e em cores “by Technicolor”. Nem preciso dizer que a vítima nem cogitou representar o brucutu, que saiu impune e abraçado à sua cintura.

Pacata cidadã, com perdão novamente do que vou dizer, mas se não é regra geral de que mulher gosta de apanhar, e eu acredito nisso, é verdade também que existe algumas que, se não gostam, não fazem questão...

26 de janeiro de 2008

Tempestade


Um dia a gente faz planos. Depois ficamos frente a frente com aquilo que um dia idealizamos. Foram várias noites sonhando, desejando. Estava tudo planejado, todo o futuro parecia estar traçado, conquistado. Agora era só respirar fundo. Alívio. Pura enganação. Quem foi que disse que está tudo certo? Quem foi que disse que a gente pode colocar a cabeça no travesseiro e parar de sonhar? Lá fora a banda toca. Pessoas comemoram porque realizaram um sonho. Gritam, cantam, se divertem. Mas aqui dentro tá tudo tão vazio, silêncio. De repente todos os sonhos foram embora naquele vento que passou por aqui antes da chuva. Aquele vento que já anunciava a tempestade. Se eu soubesse, tinha fechado bem as janelas pra que nada saísse do lugar, pra que aquele vento não levasse meus sonhos, e nem bagunçasse a casa. Mas tem coisas que estão fora do nosso controle e a natureza é uma delas. Então a gente limpa, sonha, acorda, dorme, e lá vai a gente de novo abrir as janelas e se preparar pra próxima tempestade.
Mattoso

25 de janeiro de 2008

A Alegria na Tristeza

O título desse texto na verdade não é meu, e sim de um poema do uruguaio Mario Benedetti. No original, chama-se "Alegría de la tristeza" e está no livro "La vida ese paréntesis" que, até onde sei, permanece inédito no Brasil.

O poema diz que a gente pode entristecer-se por vários motivos ou por nenhum motivo aparente, a tristeza pode ser por nós mesmos ou pelas dores do mundo, pode advir de uma palavra ou de um gesto, mas que ela sempre aparece e devemos nos aprontar para recebê-la, porque existe uma alegria inesperada na tristeza, que vem do fato de ainda conseguirmos senti-la.

Pode parecer confuso mas é um alento. Olhe para o lado: estamos vivendo numa era em que pessoas matam em briga de trânsito, matam por um boné, matam para se divertir. Além disso, as pessoas estão sem dinheiro. Quem tem emprego, segura. Quem não tem, procura. Os que possuem um amor desconfiam até da própria sombra, já que há muita oferta de sexo no mercado. E a gente corre pra caramba, é escravo do relógio, não consegue mais ficar deitado numa rede, lendo um livro, ouvindo música. Há tanta coisa pra fazer que resta pouco tempo pra sentir.

Por isso, qualquer sentimento é bem-vindo, mesmo que não seja uma euforia, um gozo, um entusiasmo, mesmo que seja uma melancolia. Sentir é um verbo que se conjuga para dentro, ao contrário do fazer, que é conjugado pra fora.

Sentir alimenta, sentir ensina, sentir aquieta. Fazer é muito barulhento.

Sentir é um retiro, fazer é uma festa. O sentir não pode ser escutado, apenas auscultado. Sentir e fazer, ambos são necessários, mas só o fazer rende grana, contatos, diplomas, convites, aquisições. Até parece que sentir não serve para subir na vida.

Uma pessoa triste é evitada. Não cabe no mundo da propaganda dos cremes dentais, dos pagodes, dos carnavais. Tristeza parece praga, lepra, doença contagiosa, um estacionamento proibido. Ok, tristeza não faz realmente bem pra saúde, mas a introspecção é um recuo providencial, pois é quando silenciamos que melhor conversamos com nossos botões. E dessa conversa sai luz, lições, sinais, e a tristeza acaba saindo também, dando espaço para uma alegria nova e revitalizada. Triste é não sentir nada.

Martha Medeiros






















Esse texto chegou até mim hoje pela manhã.O que a Martha Medeiros diz nele não é novidade (ou é!). É muito do que temos conversado por onde passamos e como acredito que tudo na vida tem a sua Razão de ser, ele está aqui para nos lembrar que a tristeza tem seu lado positivo. Mas ela só nos faz bem se vier com a passagem de volta...

Zélia ;)

22 de janeiro de 2008

Duas Orelhas, Três Brincos

O cabelo é curto, e negro como noite, mas não como qualquer uma. É mais como noite bem escura, em lugar distante da civilização, onde as luzes artificiais não conseguem embaçar o brilho das estrelas. E elas também estão lá, no formato de olhos. Brilhantes, vivos e profundos. Olhos que sondam e entendem, como entendem...

Alguém já disse que as estrelas são os olhos de Deus. Os olhos dela são estrelas que lembram o infinito que Deus representa. Inquisidores, ao mesmo tempo que a traem. Ela é forte, não há dúvida. Mas tem lá seus pontos fracos, suas carências. Eu as vejo, enquanto me revelo ao encarar o brilho intenso que me sonda.

Tem a boca. Que ela diz que é grande, mas só se for nas intenções que proclama. Quando beija, abocanha com retoques indecentes os suspiros que saem de mim. É linda, e não pouco provocante. Quando ri, demonstra a felicidade impressa em seu coração. Sorriso igual não há, é sonho de infinitas tentações.

São apenas duas orelhas. E ora, quantas mais haveriam de ser? Mas parece multidão delas, pois escuta com paciência, transcende o entendimento, responde com eloqüência aquilo que lhe digo. Chama-me de bobo, mas qual a surpresa? Quem não ficaria bobo com o que ela diz, faz e deixa entrever? O melhor são os três brincos, dois em apenas uma, que, além do visual sexy, reflete com veemência o caráter definitivo que possui. Ainda outro dia reclamou que os brincos estavam velhos, e que só não comprou novos por que não havia encontrado aquilo que procurava. Ofereci-me para dar-lhe de presente. Quão tolo fui. Ela disse que não precisava, pois gosta das coisas do seu jeito. Posso com isso? Sim. E posso ainda mais, pois me encanta o seu jeito independente, a maneira só sua de agir.

E quanto ao corpo? Nisso não posso falar muito, pois muitas autocríticas escuto. Boba. Não vê o quão perfeita é, justamente por possuir as imperfeições que todos temos. Como é bom sentir seu corpo miúdo colado ao meu, o calor impregnado de desejos derretendo minhas defesas. Como se porventura eu quisesse me defender...

Ela é assim, cheia de vida e alegria, repleta de mistérios e fantasia. Ilha que desbravo todos os dias, fonte de ternura e poesia. Vive reclamando que não enxergo seus defeitos, que estou cego de paixão. Tola que é. Eu os vejo bem, e sei que dias virão em que eles se insurgirão contra o sentimento que nos une.


Eu sou um bobo apaixonado? É, acho que sim. E se for defeito, ou virtude, não me interesso em saber. Importa apenas que se mantenha assim. Se houver cura, não quero. Se houver outra maneira de amar, que não me ensinem. Se houver outra vida, que esta se eternize.

21 de janeiro de 2008

A Calculadora do Amor

– E então, o que você tinha de tão importante para me falar? – Disse isso após tomar um gole do seu Espumone.
– É algo que talvez você não goste. – Ele estava visivelmente contrariado e nervoso.
Ela não estava gostando nem um pouco da situação, principalmente por que não tinha a menor idéia do que estava por vir, o que a deixava aflita e ansiosa. E quando estava assim tinha um tique nervoso bastante visível. Balançava as pernas sem parar.
– Tudo bem, não se preocupe – deixe isso para mim, pensava ela – eu decido se vou gostar ou não – estava torcendo para que fosse uma tremenda babaquice, e logo depois de tudo resolvido proporia uma rapidinha no motel mais próximo para relaxar. Estava merecendo.
O mais importante de tudo era de que ela o amava profundamente. Depois de diversos romances sem qualquer futuro, tinha certeza de ter encontrado a pessoa certa para viver ao seu lado. Diferente dos outros, ele não era muito dado a sair sem ela, era muito educado e dava explicações sobre tudo o que fazia, tantas que às vezes cansava. Mas ela gostava, dava uma sensação de que tudo estava sob controle. Nem por um momento passava em sua cabeça que ele seria capaz de traições, ou sequer olhar para outra mulher com olhos cobiçosos. Suas amigas não acreditaram no começo, e davam-lhe conselhos lembrando-lhe que todos os homens são iguais, só mudavam de endereço. Mas agora elas também sabiam que ela tinha tirado sorte grande. O professor de matemática ali na sua frente era uma pedra preciosa que deveria ser cuidada e mantida sob qualquer alegação.
– Ahn... é.... bom, você sabe o quanto eu gosto e respeito a matemática não sabe?
E como sabia. Ele calculava praticamente tudo. Certa vez, ao fazerem juntos a sua feira ele saiu somando de cabeça o valor da feira a cada produto retirado das gôndolas. Ela até achou bom quando o valor que ele havia dito foi diferente do somado no caixa, afinal de contas era um atestado de que ele também era passível de erro, logo era humano. Mas ele insistiu no seu valor e acabou provando que a diferença de centavos tinha ocorrido por erro de precificação do supermercado. Naquela noite ela mal conseguiu dormir. Estava namorando um computador, e dos bons. Além disso, era um amante formidável. Não um exemplo de beleza, um deus grego, e inclusive estava ficando calvo (o que o deixava nervoso), mas era bonito e ela achava extremamente sexy quando ele ficava seminu na cama, lendo e de óculos. Ah, como aqueles óculos o deixavam sexy. Levaria-o ao motel hoje nem que fosse à fina força.
– Sim, eu sei, e o que isso tem a ver com o assunto?
– Bem, é que...
O café já tinha acabado. Pediria outro, não conseguia disfarçar sua tensão. De tanto balançar as pernas já estava quase derrubando a mesa. O que o estava incomodando tanto? Será que ele queria acabar o relacionamento? Pior, do jeito que era, ele provavelmente contaria que não era tão fiel assim e que não conseguiu resistir aos encantos de alguma aluna sua. Ou que era homossexual, ou bissexual ou pluri-pan-sex, ou qualquer coisa que o valha.
– Homem pelo-amor-de-Deus, fala logo!
– Tudo bem. Eu estava ontem na net, navegando atrás de umas questões de concurso para levar para a minha turma de cursinho resolver, quando, com saudades de você, decidi procurar alguma coisa para te mandar. Um cartão, uma foto, ou qualquer coisa assim. Achei um site de namoro que tinha um programinha chamado “Calculadora do Amor”. Você sabe o quanto eu gosto de matemática, num sabe?
– Sim, claro que eu sei, ora bolas. E vendo uma calculadora não resistiu e foi lá conferir o que aquilo tinha a lhe oferecer, certo?
– Certo.
– E daí? O que foi que houve?
– Pois é. É que..., bem..., eu...,
– O quê? O quê? Desembucha!
– O programa funcionava da seguinte maneira. Ele pedia para digitar os nomes do casal e depois ele dava um resultado sobre o quanto aquele relacionamento poderia dar certo.
– E?
– Eu digitei o seu e o meu nome. O resultado é que não foi muito bom.
– Como assim?
– Ela informou que nós só tínhamos 35% de chance de dar certo. Eu fiquei tão chateado e nervoso com o resultado que inverti os nomes, botei o meu primeiro e depois o seu, o que foi uma tremenda tolice, já que qualquer criança sabe que a ordem dos fatores não altera o resultado. E novamente eu tive 35% de chance como resultado.
– Mas... e daí? O que é que você quer dizer com isso?
– Espere um pouco que ainda piora. Eu tentei de outras formas também. Botei só o primeiro nome e o sobrenome de nós dois. Não imagina a minha desagradável surpresa quando o resultado foi ainda pior. Deu apenas 29% de chance.
– Você ficou surpreso? Nãããããão! Surpresa estou eu!!!!.
– Ainda bem que você está entendendo, o que me faz acreditar que chegaremos num denominador comum.
– Eu não estou entendendo é nada, isso está pior do que minhas aulas de matemática financeira! – estava começando a ficar furiosa, não acreditava que seu namorado, até há pouco um homem exemplar, estava se deixando levar por um programinha inocente da Internet.
– Mas, eu estou tentando ser o mais didático possível. Essa anomalia matemática me deixou estupefato. E para que você não pense que estou sendo injusto, eu ainda tentei com os nossos apelidos carinhosos. Fessô e PG – Fessô vinha do diminutivo de professor e PG vinha de Progressão Geométrica. Ele dizia que a cada dia ela ficava melhor em uma progressão geométrica sem fim. Vai entender o que o amor é capaz de fazer...
– E qual foi o resultado? Qual?
– A equação ficou sem qualquer raiz real. As probabilidades estatísticas foram para o espaço. Percebi que havia um zero no numerador. Está entendendo o que quero dizer?
– Não! – sonoro e dilacerante – qual foi a droga do resultado? – algumas lágrimas já faziam força para sair.
– Realmente uma droga. 9% apenas. Uma equação sem solução.
– Isso não está acontecendo, isso não está acontecendo! – era impossível de se acreditar que o cara estava lhe dando um fora depois de brincar num site qualquer – Amor... isso é apenas um programinha idiota sem qualquer futuro. Não há base científica para a coisa. É tudo balela. Não podemos nos amedrontar por conta disso.
– Números não mentem. Jamais!
– É outra, não é? Alguma aluna sua com certeza!
– Não! Eu sei que é um pouco difícil de entender a minha linha de raciocínio, mas pode ter certeza de que não há outra.
– Mentira! Então é o meu hálito? Não te satisfaço na cama? Meu pum é muito fedorento? Eu sei que às vezes solto gases de noite quando estou dormindo, mas é involuntário. Me desculpe!
– Não é nada disso. Você é perfeita, ou quase. Na verdade você é uma armadilha matemática, uma equação que parece resolvível, mas que na verdade não tem solução.
– Não me xingue assim!!! Porque você simplesmente não é capaz de me chamar um palavrão que eu possa entender? E porque não me conta a verdade de uma vez por todas?
– Essa é a verdade. Desculpe-me, mas infelizmente os números não mentem. Nosso relacionamento está fadado ao caos, é uma curva com tendência a zero.
– Não pode ser!!!!
– Eu encontrei uma solução para o problema, mas acho que talvez você não goste.
– Me diga qual – falou sem muita esperança, mas bom, se havia alguma coisa com o que se apegar, então que venha.
– Saí testando nomes para você, de maneira que junto com meu a calculadora apresentasse um resultado com tendência a 100%. Testei vários e o melhor que consegui foi um que deu 98% de chances, o que convenhamos, foi um excelente resultado.
– É verdade, mas qual foi o nome que você achou?
– Bem... não é bem um nome, seria como um apelido, ou se você preferir, um nome artístico. Jennifer Maçaneta.
– Como assim???? Como ousa??? Primeiro que meu nome não é Jennifer, e eu ainda teria que me auto proclamar uma “maçaneta”??? Aquela que todos passam a mão???
– Foi a solução que eu encontrei! Eu sabia que você não gostaria muito, mas... pense bem, já houve uma época da sua vida que você se comportou assim.
– Seu desgraçado machista! Seu matemático insensível de uma merda! Como ousa falar do meu passado???
– Desculpe-me! Eu não queria causar sofrimento, ou pelo menos eu estou tentando minimizá-los ao máximo.
– Minimizar? Vou lhe dizer o que é mínimo aqui. Basta apenas olhar para o que está dentro da sua cueca. Isso sim é mínimo! E já que eu sou uma “maçaneta”, então eu tenho competência para falar. Você não passa de uma aberração lógica. Onde fica a teoria do caos de que você tanto falava?
Silêncio.
– Você vai acabar mesmo?
Silêncio.
Ela se levantou de supetão, quase derrubando tudo em cima da mesa. Estava furiosa e com o dedo em riste.
– Você é um chip de computador sem alma, um tarado matemático pervertido. Não passa de um covarde, de um menino imaturo, idiota e estúpido. Você não vale nenhum dos orgasmos que teve comigo, não vale o esforço de uma segunda tentativa, não vale um pum que eu solte de noite bem dentro do seu nariz. Está tudo acabado, entendeu? Acabado! – virou-se para ir embora, começou a andar e parou. Virou-se novamente para ele e disse – Tem mais uma coisa que eu não ia nem comentar, mas você está ficando careca. Entendeu? Muito careca! – seguiu seu caminho com o rosto cheio de lágrimas.
Ele ficou na mesa, um pouco constrangido com toda a cena, chateadíssimo por sua calvície estar evidente, mas ao mesmo tempo feliz. A matemática estava certa. Os números não mentem jamais.

18 de janeiro de 2008

"Cherish yesterday, dream tomorrow, live today."

(Richard Bach)


Nos últimos dias passei a seguir o conselho de Bach - autor de Fernão Capelo Gaivota - onde todos devemos celebrar o passado, jamais se arrepender. Almejar bons frutos para o nosso futuro e viver o presente plenamente. Espero que todos vocês façam o mesmo. Grande abraço.

17 de janeiro de 2008

Sinal Amarelo

Talvez essa felicidade tenha CEP, crença e pouco amor. Não sei se percebe seu limite, mas está quase ultrapassando a famigerada linha da intimidade. Se está convidado a entrar nesse mundo tão complicado, sinta-se a vontade, mas cuidado, porque a porta pode está aberta, mas o coração fechado. Não que ele esteja passando por alguma crise, mas por nunca ter se dado ao prazer de deixar alguém entrar. Se vestiu a roupa da persistência, saiba que essa mente que habita este precioso corpo vive de fases. Sem vontade de que as suas, combine com as minhas, sem vontade de querer entender você. Meu mundo tem pouco espaço, e sou muito espaçosa, talvez lá no canto tenha um lugar pra você. Sinta-se a vontade. Mas também não me cobre nada, você entrou só porque a porta estava aberta.
Mattoso

16 de janeiro de 2008

Destilados

Destilados
Destes lados
Dez telhados
É um jogo
Viu?
Poemas não precisam ser esotéricos
Podem ser descomplicados
Descolados
Destes lados dos telhados
Efetuados sob efeito de destilados
Derramados
Gargantas abaixo...

João.

Deixo esse aqui e no jardim, e caso alguém (e nós sabemos de quem eu estou falando) tiver interesse, tá autorizada a copiar e levar para sua livraria particular... afinal, a obra já não mais me pertence.

15 de janeiro de 2008

Poesia e motivo

Se em meu ofício, ou arte severa,
vou labutando, na quietude da noite,
enquanto, à luz cantante de encapelada lua jazem
tantos amantes que entre os braços
as próprias dores vão estreitando
— Não é por pão, nem por ambição,
nem para em palcos de marfim pavonear-me,
trocando encantos, mas pelo simples salário pago
pelo secreto coração deles.

(Dylan Thomas – Tradução de Mário Faustino)

Agora entendo um pouquinho mais sobre os poetas e o seu ofício. Mas o preço, que nunca imaginei, é uma recompensa por demais valiosa, talvez os mortais ainda não saibam mas há um poder emanado do coração que transborda pelo cosmos, para o bem ou para o mal. Um dia, quem sabe, não haverá equilibrio. porém para os poetas isto talvez não seja o mais desejado.

14 de janeiro de 2008

Salvando o dia

"a magia da poesia é encher a lua vazia,

aproximar o tempo distante, chorar nos ombros da alegria

eternizar um mínimo instante."


Fábio Rocha


Acabo de me deparar com essa citação do Fábio Rocha (que - ainda - não sei quem é :O ) e antes que alguém diga que ela salvou o meu dia,meu dia já nasceu salvo.A poesia salv(a)ou meu dia(s).Tudo é poesia.Vivo em poesia.Cartola de mágico:enchemos o que está vazio,juntamos os ponteiros do relógio,fazemos do choro, alegria e da alegria,a lágrima.Qualquer instante,estrela que não morre mais...


Zélia





Uma paródia aos bons textos.

Bem... depois dos últimos acontecimentos, há! todos sabem: fim de ano, retrospectivas, previsões astrológicas e econômicas. Um milhão de coisas que pouco, ou nada mesmo, serão utéis para os dias que ainda virão. Pô! tá difícil conciliar os pensamentos e os desejos, como quase sempre vou acabar mirando no ponto mais improvavel, e a daí me apegar a uma nova paixonite. Mas voltando aos últimos acontecimentos li na bíblia que... Porra! não é isso! a minha cachhorrinha cocker late muito. Assim, toda vez que toca a campanhia saio correndo não só para atender quem chega, como para calar a minha anunciadora de prontidão. Remédios me chegaram, uns comprimidos pra enxaqueca, pílulas azuis e vermelhas, um calendário de brinde, mas nenhuma inspiração poética. Quando entro em casa ouço crianças brincando na rua (mas já é tão tarde!) penso no que eu estou perdendo, o riso, a malícia inocente, e o cansaço da alegria. Mas nem tudo é laço, e nem pião. Os trabalhos são a dadíva dos tempos modernos, corrompem a mente (esta enganadora), e nos aliviam do fardo de sonhar com o belo, com o bom. Estes incansavéis pertubadores da humanidade adormecida. Pra que eles vêm despertar a angústia e o desejo por aquela, Humpf! aquela descarada da Liberdade? Sim, uma descarada que não se permite fixar numa condição estavél, nem de espaço nem de tempo. Seus amantes têm sido poucos, mas como fazem barulho! embriagados por sua natureza, como direi: avassaladora. Mas nisso reside a sua aparente franqueza, os homens preferem cuidadosamente a calma e a mesmice. Vejam só! a campanhia toca, a cadelinha late, eu atendo, pago e agora tomo feliz os comprimidos para dor (que dor é essa, que nem sei onde dói?). Os últimos acontecimentos são tão intensos em sua curiosa repetição, que eu não me toco de perguntar ao rapaz das entregas que pílulas eram aquelas azuis e vermelhas, vejo apenas que são intensas as suas cores, paro não tomo os que seriam para dor (mas que dor seria essa?), e então como criança tomo as duas capsúlas, primeiro a vermelha, depois a azul. Agora não durmo mais, também não estou acordado, só escuto sons que me lembram as crianças, o laço e o pião.

Encontro ao Vivo

– Pão de queijo bom este, não?
– Sim, muito bom.
Silêncio.
Silêncio pra caramba.
Silêncio constrangedor.
Oh meu Deus, ninguém vai quebrar o silêncio?
– Preferiria que não tivesse queimado no fundo – ela sentiu que precisava dizer alguma coisa, mas puxa, tinha que falar “no fundo”, ele poderia pensar em duplo sentido.
– Pois é!
Silêncio.
Silêncio ainda mais.
Silêncio que dá para ouvir cabelo crescer.
Por favor alguém pense em algo para dizer!!!
– Eu gosto.
– Oi?
– Quando queima assim, no fundo. – Ele queria engolir as palavras agora ditas, ela certamente entenderia mal. Gostava que queimasse no fundo, puxa vida, o que ela estaria pensando agora?
– Ah!
Silêncio.
Silêncio de novo.
Ele começa a bater com os dedos na mesa. O que era bom, pelo menos não havia tanto silêncio.
– E aí? – pergunta ela.
– Aqui o quê?
– Modo de dizer.
– Ah!
– Alguma novidade?
– Ahn... te contei que meu pai resolveu voltar?
– Não. E tua mãe?
– Não sabe se chora ou se ri.
– É difícil...
– Pois é.
De novo o silêncio mortal. O lanche já ia na metade. Daqui a pouco não teriam como disfarçar a situação. Teriam que se enfrentar, ou melhor, conversar de verdade. Não haveria desculpas do tipo sou-educado-não-falo-com-a-boca-cheia.
– Pela Internet é mais fácil né? – Ele tomou coragem, quase não acreditava, as faces estavam vermelhas e o olhar perdido em um casal que parecia brigar a respeito de traição no outro canto do cafezinho, estava se lixando, tinha problemas maiores no momento.
– É.
Ela não ajudava. Estava mais tensa do que ele, e depois acabava de pôr o seu regime a perder comendo tanto pão de queijo, um grande sentimento de culpa lhe invadia. Estava começando a achar que tudo não havia passado de um grande erro. O encontro fora da Net, claro. Mas o pior é que o cara era ainda mais bonito ao vivo do que na foto que ele havia mandado logo nos primeiros e-mails trocados, o que era um grande milagre, já que não era raro mentir no ambiente virtual.
– Lembra como a gente se conheceu no Chat? – pergunta ele. Estava decidido a levar o papo adiante.
– Sim. No começo achei que tudo o que você falava era muito bom para ser verdade.
– Me chamou de mentiroso. – falou brincando.
– Não! Eu só quis dizer que parecia muito pouco real conhecer um cara legal como você na Net. – nossa, que bola fora! Esperava ter remediado.
– Obrigado.
– Não há de quê. – conseguiu. Mas foi por pouco. Ela e sua boca grande. Achou melhor ficar de boca fechada.
Ela se serviu de mais um gole de refrigerante. Ele começou a achar bonito o jeito dela pegar na latinha. Tinha classe, e depois era tão bonita quanto a foto enviada por e-mail. O que lhe fez ficar em dúvida se era ela mesma com quem se correspondia. Mulher bonita, cheia de classe, e ainda por cima inteligente? Era sorte demais para se achar num Chat. Por que foi assim no começo, muito papo sobre nada, e depois já estavam trocando confidências no MSN, passaram a se comunicar on-line, nada de sala de bate-papo, nada de e-mails demorados, tudo ao vivo, ou melhor, ao virtual, mas de toda forma era toma lá dá cá. Então só podia acreditar que ela era realmente inteligente. Além do mais tinha um bum-bum digno de nota. Não estava entendendo porque estavam tendo dificuldades para conversar frente a frente.
– Olha só, tem uma menina chorando lá na frente. – Ela se amaldiçoou por não conseguir manter a sua boca idiota fechada. Que é que tinha agora falar da vida dos outros? Ele ia pensar que ela era fofoqueira. E se há algo que um homem deteste é uma mulher fofoqueira.
– Oi?
– Lá no canto, tem uma mulher chorando.
– É. Acho que ele a traiu ou foi o contrário. Estava perdido em pensamentos, não deu para prestar muita atenção. – Pronto! O fim! Se há algo que uma mulher detesta é saber que o cara que está do seu lado não está lhe dando atenção. Talvez pior do que isso só se falar mal do cabelo dela ou dizer que ela é gorda.
– Um doce pelos seus pensamentos! – Agora sim! Agora sim! Tinha melado tudo, tinha certeza. Não havia nada mais ridículo do que falar “um doce pelos seus pensamentos”. Estava agindo como uma adolescente idiota. E certamente era isso que ele estava pensando dela, além, é claro, de ter certeza de que ela não passava de uma glutona de marca maior. Ele agora daria um risinho amarelo, se xingaria por ter apostado num encontro maluco daqueles, e assim que pagasse a conta e saísse do restaurante se encontraria com os seus amigos para dizer como era babaca a sua amiga virtual. Um completo fiasco como mulher.
– Um doce eu não quero. Que tal um beijo? – Suprema ousadia. Certamente levaria um belo tapa na cara, ela gritaria para todo mundo ouvir que não era aquele tipo de mulher e coisa e tal. Levantaria-se ofendida e bloquearia seu endereço para nunca mais receber nada. Desinstalaria o Messenger. Apagaria os e-mails recebidos. Expulsá-lo-ia do Orkut. Faria algum tipo de montagem nojenta com sua foto e lançaria na net para sua desgraça. Mandaria um spam para suas amigas avisando o quanto ele era um indivíduo perigoso, deveria ser preso e estuprado por um negão bem dotado todos os dias. Afinal de contas ele não passava de um tarado que escolhia suas vítimas pela rede.
– Pensei que nunca ia pedir... – falou se aproximando e beijando-lhe intensamente.
Silêncio novamente. Mas desta vez muito bem vindo.

João Neto

O vendedor de palavras

Por Fábio Reynol

Ouvi dizer que o Brasil sofria de uma grave falta de palavras. Em um programa de TV, vi uma escritora lamentando que não se liam livros nesta terra, por isso as palavras estavam em falta na praça. O mal tinha até nome de batismo, como qualquer doença grande, "indigência lexical". Comerciante de tino que era, não perdeu tempo em ter uma idéia fantástica. Pegou dicionário, mesa e cartolina e saiu ao mercado cavar espaço entre os camelôs. Entre uma banca de relógios e outra de lingerie instalou a sua: uma mesa, o dicionário e a cartolina na qual se lia: "Histriônico — apenas R$ 0,50!". Demorou quase quatro horas para que o primeiro de mais de cinqüenta curiosos parasse e perguntasse. — O que o senhor está vendendo?— Palavras, meu senhor. A promoção do dia é histriônico a cinqüenta centavos como diz a placa. — O senhor não pode vender palavras. Elas não são suas. Palavras são de todos.— O senhor sabe o significado de histriônico?— Não.— Então o senhor não a tem. Não vendo algo que as pessoas já têm ou coisas de que elas não precisem. — Mas eu posso pegar essa palavra de graça no dicionário.— O senhor tem dicionário em casa?— Não. Mas eu poderia muito bem ir à biblioteca pública e consultar um.— O senhor estava indo à biblioteca?— Não. Na verdade, eu estou a caminho do supermercado.— Então veio ao lugar certo. O senhor está para comprar o feijão e a alface, pode muito bem levar para casa uma palavra por apenas cinqüenta centavos de real! — Eu não vou usar essa palavra. Vou pagar para depois esquecê-la?— Se o senhor não comer a alface ela acaba apodrecendo na geladeira e terá de jogá-la fora e o feijão caruncha. — O que pretende com isso? Vai ficar rico vendendo palavras?— O senhor conhece Nélida Piñon?— Não.— É uma escritora. Esta manhã, ela disse na televisão que o País sofre com a falta de palavras, pois os livros são muito pouco lidos por aqui. — E por que o senhor não vende livros?— Justamente por isso. As pessoas não compram as palavras no atacado, portanto eu as vendo no varejo. — E o que as pessoas vão fazer com as palavras? Palavras são palavras, não enchem barriga. — A escritora também disse que cada palavra corresponde a um pensamento. Se temos poucas palavras, pensamos pouco. Se eu vender uma palavra por dia, trabalhando duzentos dias por ano, serão duzentos novos pensamentos cem por cento brasileiros. Isso sem contar os que furtam o meu produto. São como trombadinhas que saem correndo com os relógios do meu colega aqui do lado. Olhe aquela senhora com o carrinho de feira dobrando a esquina. Com aquela carinha de dona-de-casa ela nunca me enganou. Passou por aqui sorrateira. Olhou minha placa e deu um sorrisinho maroto se mordendo de curiosidade. Mas nem parou para perguntar. Eu tenho certeza de que ela tem um dicionário em casa. Assim que chegar lá, vai abri-lo e me roubar a carga. Suponho que para cada pessoa que se dispõe a comprar uma palavra, pelo menos cinco a roubarão. Então eu provocarei mil pensamentos novos em um ano de trabalho. — O senhor não acha muita pretensão? Pegar um...— Jactância.— Pegar um livro velho...— Alfarrábio.— O senhor me interrompe!— Profaço.— Está me enrolando, não é?— Tergiversando.— Quanta lenga-lenga...— Ambages.— Ambages?— Pode ser também evasivas.— Eu sou mesmo um banana para dar trela para gente como você!— Pusilânime.— O senhor é engraçadinho, não?— Finalmente chegamos: histriônico!— Adeus.— Ei! Vai embora sem pagar?— Tome seus cinqüenta centavos.— São três reais e cinqüenta.— Como é?— Pelas minhas contas, são oito palavras novas que eu acabei de entregar para o senhor. Só histriônico estava na promoção, mas como o senhor se mostrou interessado, faço todas pelo mesmo preço. — Mas oito palavras seriam quatro reais, certo?— É que quem leva ambages ganha uma evasiva, entende?— Tem troco para cinco?

13 de janeiro de 2008

Sobre o Sorriso

Imagine a cena. Esforce-se com louvor. Tire tudo de sua cabeça e pense só no que se descreve a seguir. Imagine uma grande represa, tipo aquelas que servem para reter água e gerar energia. Agora imagine um pequeno buraco no meio dela, de onde está escorrendo um filete d’água. Este pequeno buraco está aumentando de tamanho e a estrutura está fraca demais para conter aquele monte de água por trás. De repente temos realmente um grande buraco e a água está jorrando com força. Por fim, tudo se rompe, e a água transborda levando arrastando toda a barragem. Conseguiu imaginar a cena com detalhes? Viu a água correr para todos os cantos numa miríade caótica? A água levando tudo? Não pense nos estragos que ela vai causar. Pense apenas no efeito explosivo da situação. Conseguiu?? Nãããããão???

Tudo bem, talvez essa não seja a melhor imagem para definir uma gargalhada bem gostosa depois de se ouvir uma piada. Mas creio que é mais ou menos assim que a coisa funciona. Pois um bom sorriso é simplesmente irresistível. Tanto para quem está sorrindo, como para quem está assistindo a este que é um dos milagres da natureza.

Se o amor é chama que arde sem se ver, o sorriso, na grande maioria das vezes, é o perfeito contrário. Ele se revela nos olhos que brilham e se estreitam, dando aquele ar oriental ao rosto, e algumas pessoas realmente são pródigas em conseguir esse efeito, embelezando ainda mais o ato. Revela-se na música que jorra de dentro da pessoa, que vem do coração e toma todo o corpo, fazendo-o gesticular, se dobrar, levando algumas vezes ao próprio descontrole das funções orgânicas. O que foi? Já aconteceu com você? Não se preocupe, pois tenho certeza que valeu a pena pagar o mico, não é verdade? Outras vezes o sorriso é apenas um pequeno mover dos lábios, às vezes nada disso, e aí cabe ao observador encontrá-lo na profundidade dos olhos do outro. É o sorriso íntimo. Para ser percebido requer cumplicidade...

Existe o sorriso meigo, aquele meio disfarçado, maroto em sua essência, prometendo um sem número de inconseqüências. O sorriso infantil, ingênuo e completamente descomprometido. Há o sorriso de amor, mágico e ansiosamente esperado pelo parceiro. Há o sorriso safado, que encanta, seduz e promete momentos inesquecíveis. Tem também a gargalhada contagiante, revelando um estado de espírito superior, alguém que transcendeu todos os reveses do momento.

Há também aquele sorriso especial. Aquele que certamente é exclusivo de um certo alguém. E por ser especial, assim também ter que ser a pessoa. Alguém por quem se suspire e se espere. Cada sorriso dela é importante, pelo fato de ser ela a sorrir. E fica-se feliz por que ela está feliz. Não importa se seja uma gargalhada, um pequeno repuxar de lábios ou o que quer que seja. É único e reverenciado como um momento místico, um abrir dos céus com coro de anjos e tudo o mais que se tiver direito.

Há o sorriso dissimulado, um esgar despropositado. Tal sorriso não deveria ser assim chamado, já que tecnicamente não o é. Mas o que se há de fazer quando ainda existe alguns que teimam em brindar a falsidade? Estes deveriam ser sumariamente punidos, pois difamam aquilo que é a festa da alegria. Do prazer em reencontrar, do ouvir e se contentar, do gostar de estar junto. De simplesmente curtir bons momentos em boa companhia. Não que não se sorria só. Estamos nós lá no meio da rua, dentro do ônibus, junto com o vizinho chato dentro do elevador, e de repente vem a lembrança e o corpo não resiste. Isso muitas vezes nos confere um atestado de loucura, no mínimo de esquisito. Mas louco mesmo é quem se priva de sorrir.

Sorrir faz um bem quase irresponsável. Relaxa, descontrai e modifica a forma de se encarar o mundo. Parece que tudo é perfeito, que pássaros cantam, flores desabrocham, e a vida é sempre uma beleza. A ótica de quem ri é diferente, ou talvez seja preciso ter uma ótica diferente para sorrir? O que predispõe alguém ao sorriso?
Perguntas para as quais não se encontram respostas fáceis. Mas não importa. Se hoje sorrio eu sei por que, e isso me basta.

12 de janeiro de 2008

ESPELHO


Sou prateado e exato. Não tenho preconceitos.

Tudo o que vejo engulo no mesmo momento

Do jeito que é, sem manchas de amor ou desprezo.

Não sou cruel, apenas verdadeiro --

O olho de um pequeno deus, com quatro cantos.

O tempo todo medito do outro lado da parede.

Cor-de-rosa, malhada. Há tanto tempo olho para ele

Que acho que faz parte do meu coração. Mas ele falha.

Escuridão e faces nos separam mais e mais.


Sou um lago, agora. Uma mulher se debruça sobre mim,

Buscando em minhas margens sua imagem verdadeira.

Então olha aquelas mentirosas, as velas ou a lua.

Vejo suas costas, e reflito fielmente.

Me retribui com lágirmas e acenos.

Sou importante para ela. Ela vai e vem.

A cada manhã seu rosto repõe a escuridão.

Ela afogou uma menina em mim, e em mim uma velha

Emerge em sua direção, dia a dia, como um peixe terrível.



Sylvia Plath - Tradução: Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça

Começando...

Amigos que andam às voltas com as palavras,

Por tomar a iniciativa de unir todos vocês aqui nesse espaço, quero que se sintam livres para escrever. Como todo início, encontraremos algumas dificuldades. Mas não há tantos segredos. Podemos escrever postagens nossas e não só ficarmos presos aos comentários. Para escrever como autor do blog, é necessário que aceitem os convites que enviei por email e assim, vocês poderão criar um perfil, usar uma foto ou não e publicar.

Dicas para publicar:

> No topo da página, vocês verão que há o título (Acho que posso chamar assim) "Nova Postagem". Cliquem ali e logo irão para outra página onde há um espaço para o texto.

> O texto pode ser escrito em Html ou vocês podem optar por clicar em "Escrever". Nesse caso, Vocês poderão escolher a fonte do texto, bem como se desejam usar Negrito ou Itálico.

> No mesmo campo, podem ser escolhidas diferentes cores para o texto e também, como fazemos no Word, podemos optar por deixar parágrafos ou não.

> Vídeos podem ser publicados também. Para isso, vocês devem usar o código, no caso dos vídeos do Youtube, que fica logo abaixo da url do vídeo. Esse código pode ser copiado e colado no campo em que se deseja escrever algo. Basta colar em html e publicar.

> Com o tempo, passarei a dar mais dicas sobre o funcionamento das coisas por aqui.


Deixo um vídeo para todos. Uma música para que comecemos bem o projeto que já iniciamos no jardim.

Beijos...
Letícia

PS: Observem que na barra lateral, coloquei o nome dos colaboradores, ou seja, das pessoas que já aceitaram o convite e já se tornaram autores do blog.





11 de janeiro de 2008

Janela

Falta um pedaço de vidro
na janela e o vento
faz a cortina voar.

Falta um pedaço de vidro
na janela e
os sons da rua
passam a conviver
com o silêncio da tarde caseira.

Falta um pedaço de vidro
na janela e o vento teima
em espalhar poeiras e sonhos
por toda a casa.


André Freire