26 de maio de 2008

Escrevendo o Silêncio

(foto por Blue Rose - DeviantArt)


Escrevo não apenas por que gosto, mas, antes de tudo, por que preciso. Aprecio a palavra desde cedo, tanto a escrita quanto a falada, mas devo admitir que prefiro aquela a esta. Já me rogaram pragas dizendo que sofrerei um infarto antes dos quarenta (peço a Deus para que não seja fulminante, não está nos planos morrer tão jovem) justamente por não conseguir expressar o que sinto em sonoras frases de pé de ouvido. Quem convive comigo se ressente do meu calar e do prazer quase orgástico que sinto em ambientes silenciosos. Encaro com um interesse peculiar a um cientista a incapacidade das pessoas que não conseguem se manter em silêncio. Elas precisam falar sobre tudo. Sobre o dia, sobre a noite, sobre a chuva que cai, o sol que esquenta a pele, o penteado novo da vizinha, os ditames da economia, a pobreza global, o ônibus que nunca chega, a nova moda, a campanha política, o amor que terminou e o novo amor que chegou, e assim sucessivamente um assunto atrás do outro em desabalado matraquear. E isso não é uma crítica, é apenas o registro de um fato comum, às vezes meio irritante, mas comum, e, porque não dizer, é também um pouco de inveja... Li em algum lugar que a média de palavras ditas em um dia beira as dezesseis mil. Acho, não, tenho certeza de que sou capaz de passar um dia inteiro sem dizer ao menos uma palavra sequer, mas tenho cá minhas dúvidas se serei capaz de passar tanto tempo assim sem nem ao menos pensar em escrever umas linhas aqui e outras acolá. Como dito, ou melhor, escrito anteriormente, uso do papel por conta da minha incapacidade de usar a fala. Por isso escrevo. Para revelar o que sinto, para expiar meus pecados, para criar meu mundo particular, expor meu mundo particular, realizar novas descobertas, avançar no tempo, descrever a chuva que cai, contar estórias do amor que foi e que virá um dia, saber que o mundo é bão, levantar castelos, e, é claro, para escapar do infarto fora de tempo (e qual seria o tempo certo para um negócio desses?). Escrever, então, seja isso, a maneira perfeita de ser o que se sonha ser e de revelar, para quem sabe ler, o que se é de verdade.

21 de maio de 2008

Sobretudo Agora

(foto por Ssilence - DeviantArt)


Sobretudo agora
Após tantas e tantas palavras soltas
Somando subtrações e reviravoltas
Lançando dados em tabuleiro alheio
Semeando sopro na esperança de colher um vento sequer
Sobretudo agora
Depois de decisões tomadas
Após fases agudas e remissões
Perdoando e pedindo perdão
Olhos postos em prêmio que não se pode ganhar
Sobretudo agora
Após refletir o impensável
Compreender o irrefutável
Confundir o oráculo
Nomear o que já foi batizado
Renascer das cinzas
Ponderar no verso e na prosa
Sequer jogar moeda no poço
Trocar o trigo pelo joio
Perder o fôlego
Sobretudo agora
O cansaço trouxe a paz
A paz trouxe o entender
O entender trouxe a ação
A ação fez acontecer
E acontecendo, o mundo deu mais uma volta

19 de maio de 2008

O que cabe?

(foto por Herphotographs - DeviantArt)


Aquilo que tem meu número me serve, cabe
Tem também aquilo que não cabe
Por não caber a mais, sobra
Por não caber a menos, falta
Por não querer usar, birra
Por aceitar calado, covardia
Por querer ser feliz, sonho
Por falar a verdade, polêmica
Por ser o que se é, coragem
Por lembrar, saudade
Por fazer releitura, cópia
Por brincar, infantil
Por reclamar, resmungo
Por saber, ciência
Por inferir, palpite
Pormenores, detalhes
Por nomear, rótulo
Por existir, uso, experimento e avaliação
Por gostar, permanece
Por não gostar, descarte
Por amar, eternidade

11 de maio de 2008

Pontos de Fuga


(foto por NMC987 - deviantART)

Pretensões, ele as tem de sobra
E de resto, tudo o quanto ainda não fez
Rascunhos inacabados
História escrita aos trancos e barrancos
Tem mapa, bússola e estrelas para guiá-lo
Ainda assim, perde-se em devaneios
E, ao dar-se conta, está em qualquer lugar
Não reconhece pontos cardeais
Não tem problema, eles não o conhecem também
Não há dilema algum, nunca há
Não há bifurcação, atalho ou trilha no meio do mato
Há decisão difícil já tomada
Conseqüências que não se quer arcar
Sete vezes abriu o dicionário em busca de respostas
Mas não encontrou palavra que desse conselho
Não viu verbo que promovesse ação
Não vestiu moda que lhe fizesse belo
Não houve seio que lhe alimentasse

Inconformado? Sim, desde o primeiro não
Indeciso? Sim, desde a primeira escolha
Confuso? Sim, desde o ventre

E vê os pontos de fuga unirem-se no horizonte
Neles navega, rumo ao não se sabe onde

A Respeito dos Sonhos

(foto por Edlyytam - deviantART)


Para sonhar não é necessário carnê de prestação
Não é necessário carimbo de repartição
Não é necessário apresentar carteira da ordem
Sonhar é engravidar de idéias
Na esperança de parir sorrisos
Deixar a realidade alguns instantes
Acreditar que o mundo é bom
E que ele gira sim, ao redor do seu umbigo
Sonhar tem um quê de egoísta
De escapismo bobo
De loucura em pinceladas vigorosas
De nuvem em forma de Beagle
Olha lá, tem um Snoopy voando no céu
Tem também a garotinha ruiva
Droga! Está tão distante...
Mas onde está minha cabeça?
Isso é um sonho
Eu também posso voar!

4 de maio de 2008

Carta

(foto por Histerical Emotion - Deviantart.com)



Carta repleta de linhas
Costura idéias, ponto que aumenta conto
Confronta sonhos em palavras melódicas
Tece rede, lança ao mar, vai dar pescaria?
E caminha, caminha, caminha
Na rua tem de tudo, na sacada tem beijo roubado
Quitanda vende frutas e Quintana distribui sonhos
Carta cresce e desce a ladeira
Tem o estádio com torcida e seus cantos
Tem fogos de artifício para celebrar o dia
E tem dia que é assim, vôo rasante nas montanhas
Perto do sol, onde outras asas derretem
Mas não essas, não as de carta cheia de verbos
Sinônimo vira antônimo, pleonasmos são bem vindos
A gramática é esquecida, a liberdade é poética
A igualdade fala francês, a fraternidade é uma dádiva
E a casa caiu, poeta
Carta se recusa a crescer, gosta da Wendy, quer ser o Peter
Quer uma fornada do melhor pão de queijo
Xícara de café com leite, rede para dormir ao vento
Cafuné no final da tarde, sorriso bobo no rosto
Casa de frente para a terra do nunca
Não quer ponto final
Mas sabe que, mesmo que ele venha
Enquanto houver quem a leia
O ponto final será sempre mera formalidade literária...

3 de maio de 2008

Mesa de Bar

(foto por Ideasunknow - Deviantart.com)


Corrijam-me caso fale asneiras, mas, caso minha mente senil não esteja me pregando peças, há uma idéia bem firmada na antropologia de que a casa de um indivíduo, o lugar onde mora, é o centro do seu mundo. Não vou discutir a tese e nem tampouco confrontá-la, haja vista a minha completa incompetência para tratar do assunto. Mas gostaria de lançar uma idéia para discussão, e para isso acho que tenho a competência necessária, principalmente após o segundo copo. Há lugar que sirva a tantas necessidades humanas quanto uma mesa de bar? Para começar, falemos do óbvio, é um ponto de encontro por excelência. Sol, praia, cerveja gelada, boa música, mesa de bar e gente, toda sorte de gente, bonita, feia, gorda, magra, sarada, brancos, negros, amarelos, cabem todos. Mesa de bar é isso, democracia. Mas há outros aspectos a serem observados, como, por exemplo, o fato de que não há lugar melhor para se discutir os grandes problemas da humanidade. Em mesa de bar resolvemos a questão da fome, das guerras, do mercado financeiro, da escalação da seleção brasileira e dos crimes exaustivamente dissecados pela mídia na busca de pontos no Ibope. E não se discute apenas problemas desse porte, discutimos e opinamos também sobre os “pobremas” do cotidiano dos usuários da mesa. Chifre, desemprego, salário baixo, patrão escravocrata, a vizinha gostosa que não dá mole, o cachorro por quem você se apaixonou, menstruação atrasada, dor de dente, calvície e disfunção erétil (adoro a capacidade que nós temos de inventar termos bonitos para definir nossas mazelas. Acho, inclusive, que metade do dicionário do politicamente correto foi criado em mesa de bar. Onde mais se teria a brilhante idéia de trocar favela por comunidade? Onde isso ajudará as pessoas desfavorecidas socialmente que vivem em situação de risco? Viu? Troglomachos também sabem usar termos politicamente corretos.). Foi até cunhada uma expressão que identifica o usuário padrão que se utiliza de mesa de bar como consultório psicológico: Cachiblema, ou seja, cachaça, chifre e problema. Foi em mesa de bar que tive minhas melhores aulas de Teoria Geral da Administração II. Calma, as aulas não ocorriam no bar, apenas se estendiam até ele. Também foi em mesa de bar que dei o meu primeiro beijo, mais uma multidão deles, e também aquele que até hoje é o mais significativo entre todos. Em mesa de bar tomei decisões importantes, fiz besteira, falei o que não devia, falei o que devia, arrumei emprego, fiz planos para conquistar o mundo (não realizados até hoje, como podemos constatar...), apostei e perdi, e descobri que sou péssimo de apostas depois de algumas cervejas, cantei (desafinado, sempre), escrevi cartas de amor (não para meus amores, mas para amores alheios), contei e ouvi piadas, e fui apresentado à teoria do copo “meio cheio-meio vazio”, e descobri que a vida é mais ou menos assim como observamos o copo. Há dias em que ele está meio cheio e há dias em que ele está meio vazio. Qual o melhor lugar para filosofar, se não em mesa de bar? Em templo budista? Duvido. Prefiro o mosqueiro que tem aqui perto de casa. Por isso eu, mui respeitosamente, pleiteio junto aos grandes antropólogos nacionais para que sentemos em uma mesa de bar e discutamos o seu importante papel na vida da sociedade moderna. Não me estendendo mais, que se traga a saideira, a expulsadeira, a derradeira, a chama-conta...