30 de março de 2008

Deixando Para Trás

foto por Lineacurva - deviantart.com


Encontrou coragem e refez passos que há tempos receava encenar novamente. Há rotinas que fazem mal. Há lugares que fazem mal. Mas um homem tem que fazer o que um homem tem que fazer. Bobagem machista? Talvez. Mas, quando bem aplicado, é santo remédio que até cabelo faz crescer, hálito ficar mais puro, dentes ficarem mais brancos e mentira virar verdade. Re-encenar atos da peça que faltava serve como expiação de pecados cometidos. Tome-se o devido cuidado para não sucumbir diante de velhos hábitos, como, por exemplo, acender um cigarro quando a vontade for voltar ao útero materno e fugir das dores mundanas. Serve também para encerrar um ciclo e, ao menos, estar aberto para iniciar novos momentos, criar novas rotinas confortáveis e demarcar novos lugares como sendo seu. Seus, melhor falando. É momento de deixar para trás, abrir mão, e, se serve de consolo, ouçamos Bono dizer (em tradução livre) que o que se deixa para trás não se sente saudade. Não serve de consolo? Que seja. Mas há de se perder pelo menos a torturante mania de abraçar fantasmas em noite de chuva, quando o frio é maior e as certezas caem pelo chão como castelo de cartas em vendaval. Refazer os passos procurando encontrar novos sentidos para as esquinas é obrigação para continuar a vida. Um homem não deve, melhor, não pode viver acorrentado em seus próprios e insanos medos. Sabendo, inclusive, que metade deles só existe em seus desvairados pesadelos. Refazer momentos é alforriar-se, e descobrir que dentro do armário não há mais monstro faz um bem danado. Abramos uma cerveja.


"And what you leave behind you don't miss anyway." (U2, in Gone)

28 de março de 2008

Recolhendo Ilusões

Foto por Michel Rajcovik - deviantart.com


Procurei entre as linhas tortas das minhas convicções
As mesmas que me levaram a realizar o irrealizável
E eis que surge a verdade irretocável destes tempos
Tem alguém que me ama, e pronto
E dito assim, em supetão de dó maior, torna-se canção
Acordes dissonantes executados sem compasso
Há música quando não se quer ouvir?
Tudo bem, ainda não me fiz vácuo
E ando, em deliberado sonhar, recolhendo ilusões
Tomando em minhas mãos o que de resto é perfeito
Recordo e recrio e refaço passos até a cruz
Olhando através do avesso do que se fez
Sem coragem de decorar o quarto que ficou vazio
Não sei nem se quero decorar, ou decolar de novo
Vou, sem rumo, mundo afora
E sei
Tem alguém que me ama
Pronto

25 de março de 2008

Precisamos

Precisamos de ações positivas
De atos de fé e de um pouco de loucura
Precisamos de pontes para além mar
De viagens sem volta e de amores perdidos
Precisamos de quem nos faça pensar
De portas abertas e becos sem saída
Precisamos de Clarabella
De sua clarabóia e de Eleanor Rigby
Precisamos de intensidade no sentir
De escritos vindos da alma e de textos sem fim
Precisamos do amanhã que virá agora
De abraço entusiasmado e beijo molhado
Precisamos de tudo o que é semântico
De tudo o que é lírico e tudo o que é substantivo
Precisamos da Livraria Cósmica
De Alice fugindo do coelho e se refugiando entre letras
Assim temos alimento para a alma
Assim os dias seguem felizes
E a vida produz o sentido
Que precisamos




Hoje é o aniversário de um ano do blog Cosmic Library. Este recanto literário pertence à grande escritora e amiga Alice, aquela que não fugiu do País das Maravilhas, pois ainda está lá e de lá nos remete cartas todos os dias espalhando a boa nova de uma leitura mais do que agradável, imprescindível. Parabéns pelo aniversário, Alice! E que venha o livro!

Um dia você aprende

Um dia você aprende que...

Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma.

E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança.

E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas.

E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança.

E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.

Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo.

E aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam...E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la, por isso.

Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.

Descobre que se leva anos para se construir confiança e apenas segundos para destrui-la, e que você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá pelo resto da vida.

Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias.

E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você é na vida.

E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.

Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam, percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos.

Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos.

Aprende que as circunstâncias e os ambientes tem influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos.

Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que você mesmo pode ser.

Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto.

Aprende que não importa onde já chegou, mas onde está indo, mas se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve.

Aprende que, ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados.

Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências.

Aprende que paciência requer muita prática.

Descobre que algumas vezes a pessoa que você espera que o chute quando você cai é uma das poucas que o ajudam a levantar-se.

Aprende que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que você aprendeu com elas do que com quantos aniversários você celebrou.

Aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha.

Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.

Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não lhe dá o direito de ser cruel.

Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame, não significa que esse alguém não o ama, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar isso.

Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que aprender a perdoar-se a si mesmo.

Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado.

Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte.

Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás.

Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores.

E você aprende que realmente pode suportar... que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais.

E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida!

Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar, se não fosse o medo de tentar.


William Shakespeare











Photo by DeviantArt


Encontrei esse texto como sendo de autoria de Shakespeare mas confesso nunca ter ouvido falar sobre ele. No entanto, seja de quem for vale pelo que ele nos faz enxergar. Espero que gostem! ;)


23 de março de 2008

Do Que Se Pode Gostar

Foto por Gilad - deviantart.com


Gosto do sabor das letras
E da cor dos lábios que mentem
E gosto da prosopopéia infantil
Da batida de pé
Do receio travestido em segurança
E de lembranças carameladas com sal
Gosto do poema que alimenta
Da canção que subtrai
Das poucas noites em que consegui dormir
De ninfas esqueléticas gregas
E de filosofia em guardanapos azuis
Gosto do que se pode gostar
De escrever bobagens líricas
De sorrir sem compromisso
De ser lembrado em mesa de bar
E de deixar as coisas serem o que são
Gosto de palavras simples
De gestos casuais
De abacaxi com raspa de limão
De banho de mar para afogar sonhos
E de boa música para trazê-los todos de volta
É bom tê-los de volta
Juntar tudo na mochila
Calçar os tênis surrados
Vestir o velho jeans rasgado
E seguir caminhando

Desabalada Carreira


Dia sem graça e os pensamentos saem em desabalada carreira ladeira abaixo. Lá fora o sol brilha. Para quem, cara pálida? Toca o telefone. Ligação de quem já avisou que vai se desligar. Não consegue ficar longe. Não consegue religar. Não consegue nada por completo. Diz saber o que quer. Mas, afinal, quem sabe o que realmente quer? E o que está acontecendo? Quando foi que a rota mudou e a paisagem perdeu o tom, o acorde e a melodia? Bendito céu azul, maldita ausência de asas. Chega e-mail. Vem com o adeus que faltava. Vem em poema e diz o que tem de dizer. Rasga pele, corta fundo e não há mais sangue para pintar nossa cama com as cores do que se perdeu. Novos tempos, velhas idéias. O que nunca se julgou liberdade virou prisão. Mas o que o futuro reserva? Cigano contou mentiras na voz de Djavan e houve quem quis acreditar. Toca o telefone. Vício é assim. Meio que incontrolável. Meio que verdade. Dizem que toda meia verdade é uma mentira e meia. Tem Crossroads tocando, ovo de chocolate e bom papo no MSN. Céu azul. Sem asas. Gente que não se desliga. Passado que retorna. E tudo ao mesmo tempo. Multimídia. Agora é Beatles, From Me To You, with love, claro. É espiral. É cabeça em desabalada carreira. Problema. Ela não sabe para onde está indo.



Foto por Giulllia - deviantart.com

20 de março de 2008

Resposta ao circo de horrores


Eu acho muito bonita a profissão de policial, acho realmente que um policial deveria ganhar mais, pelo menos mais do que um bandido pra que não se deixasse ser corrompido por ele. E eu penso de uma forma a respeito disso. Nós temos o costume de falar sobre certas situações no Brasil como, se nós cidadãos, fôssemos de Marte, Vênus, Platão ou um alienígena qualquer. Isentamos nossa culpa em tudo isso. A sociedade está cada vez mais individualista e somos nós quem estamos criando essa nova sociedade, não é nenhum extra-terrestre não. Se ressalta a necessidade de uma vida mais digna pra um policial porque você é um policial, porque se você fosse um bandido você estaria contra a legalização de drogas e ****** quem destrói sua vida por um pó. Hoje cada ser humano só pensa na sua profissão, em ganhar dinheiro pra sobreviver nesse mundo que se exige cada vez mais o real como cartão de visita. Se você é um delegado, você não olha pra um escriturário, se você é um juiz, você esquece que estudou o mesmo curso de direito que um advogado cursou, se você é médico, que se danem os enfermeiros. Se você é um motorista, que se dane quem está a pé, esperando um ônibus na chuva. Estamos vivendo na selva, cobra comendo cobra. Quem são as pessoas que estão educando as crianças hoje? Televisão, avós, babás, escola, tia, vizinha. Se nós colocamos o futuro da nação na responsabilidade de outras pessoas, por que iríamos ter pessoas que se preocupasse com o futuro, se não teve ninguém que se preocupasse por elas? Quais são os valores de respeito, família, amor, humildade, ética, moral, que está sendo passado pra essas crianças?
E a gente exige que elas se transformem em adultos bem sucedidos, educados, equilibrados emocionalmente. Acho que somos burros ou algum tipo de robô criado em algum filme de Steven Spielberg.
Somos nós quem criamos os bandidos, não só os da favela, mas os políticos bandidos também, somos nós quem queremos empregos públicos pra na primeira oportunidade poder faltar, ganhar alguns feriados a mais ou até mesmo ter um cartão corporativo. Somos nós quem reclamamos do presidente, mas se fôssemos presidente, quem disse que faríamos diferente?
Somos nós quem gritamos Liberdade de Expressão, e confundimos com libertinagem. Se passa, é porque tem audiência, se tem audiência, vai continuar passando. Somos nós quem não temos se quer uma boa relação com nossa própria família, quem dirá uma boa relação na sociedade. Gente queimando gente, gente acorrentando gente, gente comendo gente. E isso só muda se a gente fizer gente como a gente, se a gente tratar as pessoas como a gente quer ser tratado, se a gente educar pessoas como a gente quer ser educado. Se a gente olhar o próximo como a gente quer ser olhado.
Eu acredito que nós é que precisamos mudar nossa concepção de valores, aí os policiais ganhariam muito mais do que um bandido. Aí os educadores ganahariam tão bem quanto um vereador. E a sua resposta de quanto vale a vida de um policial seria fácil responder. Vale o valor que nós depositamos nele ou em qualquer outro profissional que exista na face da terra.
Eu tenho esperança, procuro fazer diferente. Procuro lutar mesmo que me sinta só, porque aprendi a cantar que:
"... que um filho teu não foge à luta,
nem teme quem te adora a própria morte.
Terra adorada
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó Pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada, Brasil! "



p.s: nada do que falei é direcionado a você João especificamente, mas de uma forma generalizada.

18 de março de 2008

Circo de Horrores

Já tenho quatro anos como policial. Não posso dizer que sou experiente, mas tampouco posso me intitular novato. Já vi corpo crivado de munição, contorcido de tal forma que a própria física duvida. E já vi corpo decapitado segurando a própria cabeça ao colo, sentado no chão sujo de um banheiro de penitenciária. Vi corpo transformado em pedacinhos, guardado em oito sacolas de supermercado e enterrado no chão da cela. Vi marido enlouquecer por capotar o seu veículo lotado e morrer apenas quem mais importava, a esposa e a filha de três anos. Vi vítima de disparo de espingarda calibre 12 me olhando com um olho só. O outro olho? Não sei onde foi parar, juntamente com a outra metade do rosto. Vi bêbada blasfemar o nome do Senhor entre um arroto e outro. Vi homem bater em mulher, não apenas uma, mas várias vezes, vários homens, várias mulheres, a mesma história infeliz. Vi mulher esfaquear homem por motivos que, de tão ridículos, não há como serem citados. Vi mulher bater em mulher, e desta feita não fiquei chocado, ri até doer o estômago com os tufos de cabelos de uma na mão da outra. Vi adolescente ser vítima de estupro, bem como vi menino ser vítima da mesma violência, só que pela lei tem outro nome, chama-se ato obsceno diverso da conjunção carnal, mas é a mesma humilhação, a mesma dor. Vi um jovem, repleto de narcóticos na cabeça, vomitar a delegacia inteira e depois deitar no próprio vômito. Vi mulher entrar no presídio com um celular. Não, não estava no bolso, ela achou que era um canguru e aconchegou o aparelho dentro do próprio corpo. Não, não foi na frente, foi atrás. Já socorri vítima de acidente de trânsito, já levei grávida ao hospital, já conduzi doente mental ao sanatório, já vi pessoas entristecidas enforcarem-se em casa ou jogar-se de prédios, liquidificando os seus corpos e infortúnios, já fui ameaçado por menor de idade que me disse que logo sairia de detrás das grades e me acharia nem que fosse no inferno, já prendi bandido num dia e o encontrei dois dias depois vendendo ingresso como cambista em porta de show, já vi colega morrer na mão de marginal, já trabalhei trinta e seis horas sem parar, já tive que tomar remédio para poder dormir uma noite de sono tranqüila, já tive que arrumar um trabalho extra para poder pagar as contas, já fiz greve, e como resposta me mandaram estudar mais para ganhar um salário melhor. Estudar mais o quê? Tenho graduação e pós-graduação. Era noite, todos dormiam, e lá estava eu, no meio do nada, esperando a quadrilha que anda melhor armada do que eu passar para prendê-los, e foram presos. Era noite, todos festejavam o início do ano, e eu estava lá convencendo um bêbado rico em dinheiro e em relacionamentos que o melhor a fazer era deixar um registro banal de ocorrência para o dia seguinte, pois ele mal conseguia lembrar o próprio nome, e fui chamado à atenção poucos dias depois, descobrindo dessa forma que nesta vida mais vale dinheiro e bom relacionamento do que bom senso. Dizem que ser policial é um sacerdócio, e querem dizer com isso que essa profissão cobra seus sacrifícios, inclusive financeiros. Balela! Não somos padres ou irmãs de caridade, nem ao menos somos santos. Somos seres humanos, homens e mulheres que possuem suas certezas, dúvidas, alegrias, tristezas, medos, e toda sorte de necessidade como qualquer um. Somos profissionais dedicados, formados e especializados. Enquanto a maioria esmagadora da população assiste ao circo de horrores do cotidiano da violência pela televisão, via Embratel, by technicolor e em doses homeopáticas no horário nobre, nós, policiais, o assistimos ao vivo, em cores, em doses cavalares durante todo o dia. Esse circo entra na pele, vira tatuagem, nos envolve como se fosse abraço de urso. Nós acordamos e dormimos com ele e temos nossos pesadelos. Não reclamo, amo o que faço, faria tudo novamente, e quero continuar fazendo até o dia em que eu morra velhinho ou entre para as estatísticas de policiais mortos em serviço. Não importa, foi a vida que escolhi. Mas, quanto vale um profissional desses? Que salário o profissional de segurança pública deve receber para proteger você? É essa a pergunta que faço e não ouso calar enquanto não receber resposta.
Gravura por vhm-alex, deviantart.com

Carteado Sem Vencedor

Foto por John Lobster - deviantart.com


Breve como um suspiro e tão intenso quanto
Pousou em meu ombro como raio de sol em dia sem nuvem
Foi-se com as sombras fugidias do dia que não teve sol
Deixou-me a chuva como companhia
Cigarros como amigos e o álcool como sândalo para os meus pés
Pensou demais, pesou demais, teve medo e não quis pagar para ver
Sintonizou outras estações
Não esperou a banda tocar
Não deu ouvidos ao locutor
Fez, do pé firme, o resumo das suas teimosias
Das suas teorias que tentam explicar o mundo que não tem pé, e nem cabeça
E nem braços, ou abraços
São percalços que a distância manda
São recados que ouvimos dos olhares que nos julgam
É o carteado sem vencedor
Baralho viciado, marcado, amassado e sem graça
Perdemos nós e não há mais fichas para entrar no jogo
Ganhou a banca
Passa a régua
Fecha a conta
Vamos à próxima mesa...

17 de março de 2008

Mais de Caio Fernando Abreu

"Devia ser sábado, passava da meia-noite.

Ele sorriu pra mim. E perguntou:

- Você vai para a Liberdade?

- Não, vou para o Paraíso.

Ele sentou- se ao meu lado e disse:

- Então vou com você".

(Caio Fernando Abreu)

15 de março de 2008

Pra Você


"Coração que não cala,

alma que se afoga

entre tantas palavras que se calam,

entre tantas lágrimas que transbordam

Sofrimento de quem carrega no peito

a saudade que ignora."
Mattoso.
Photo by Niktoria

14 de março de 2008

Devoro a Tua Alma


Photo by Triodante - deviantart.com


Saiba que em todas as vezes que disse não, quis dizer sim
E em cada momento em que fugi, quis me aproximar
Em cada linha torta, uma declaração
Em cada menear de cabeça, uma afirmação
Em cada aflição, esperança
No medo, desejo

E saiba que antes não era nada
E que agora passa a ser muito
Do tudo, quero o que me cabe
Do que me cabe, completo o meu mundo
Mundo completo, sigo adiante

Mas, na verdade
Não há muito, não há pouco
Há o que há, e deveria ser como é
É como queremos que seja
E sendo assim, ficamos bem

E eu sei, devoro a tua alma
E dela me alimento

Ps.: eu acho que já publiquei isso em algum lugar (e eu acho até que foi com outro título!), quem sabe até aqui mesmo. Enfim, minha mente senil não me fez ter certeza e aí decidi publicar novamente. Se foi repeteco, desculpem, se foi novidade, aproveitem...

Doces Mentiras

photo by Jinju1 - deviantart.com


Ela, como boa mulher que era, perguntou-lhe se teria encontrado muitas gatinhas na praça enquanto fazia a sua corrida diária. Ele, como bom homem que era, havia realmente percebido muitas mulheres bonitas na praça, contanto, nenhuma que realmente lhe chamasse à atenção. Mas todo homem, por melhor que seja, tem um pouco de cafajeste, e este, pensando rápido, respondeu que seria impossível notar gatinhas em uma praça que já estava tão repleta da presença dela. Ela, como bom ser humano que era, acreditou. Sabia que era mentira, uma doce mentira, mas aceitou e ficou feliz e sapecou-lhe um beijo molhado e cheio de promessas. Somos assim, aceitamos as doces mentiras que nos fazem crer que a vida é sempre bela e cheia de poesia. E quem foi que disse que a vida não é bela e cheia de poesia? Acreditamos que no fim tudo dará certo, que o amor faz sentido, que os nossos excessos são perdoáveis, que barra de chocolate não engorda, pelo menos não muito... acreditamos em coelhinho da páscoa, em Papai Noel, em pote de ouro no fim do arco-íris, e só não acreditamos em político nacional porque aí, ora bolas, seria ingenuidade demais! Mas não é ruim crer em certas mentiras e assim darmos sentido ao nosso mundo, assim seguimos adiante sempre com nossas esperanças renovadas. Vida é poesia e o poeta é um louco mentiroso contumaz. Um louco mentiroso contumaz que todos adoramos amar, ouvir e acreditar em tudo o quanto ele diz...

13 de março de 2008

Filosofia de guardanapo

Problemas têm solução. "Pobremas", não.


Essa é a minha filosofia do momento! Ela veio à tona em uma de minhas muitas sessões (inomináves) com Letícia - ser que não cabe em rótulos ou padrões /) - na qual filosofávamos sobre os 'tantos problemas' que as pessoas enfrentam em dias atuais. Triste não saber o que é um problema de verdade. Problema de gente grande, não de gente pequena - não que eu os tenha.Vale dizer já que nesse mundo de internet todo nundo vê e entende o que bem quiser. Só tenho olhos bem abertos...
Então, para os cheios de "pobremas" e olhos fechados, lembrem:

"Pobremas" não têm solução...

"Eyes wide open!" ;)


...

Foto por Coeur-Indecis, deviantart.com



Noite sem céu, palavras sem medo e uma busca de liberdade até o momento despercebida, mas aprisionada.


Tanto receio sem nexo e tantas questões resolvidas sem qualquer esforço, foi simplesmente assim, estrelas cobertas de sangue e surgia uma nova emoção significada de explosão com afeto e apego.


Voltaria o tempo e colocaria tudo da mesma forma, cada ponto com todas as vírgulas necessárias, com todos os defeitos de grafia e sintaxe. Seria a clara certeza de que esse momento teria sido exatamente assim, e caso não tivesse, alguém teria mexido, ou ele não teria existido.


Saudade do futuro e já vivendo o próximo fim de semana, sim é ela, a ansiedade junto com a vontade de lhe ver antes do próximo encontro.


Tantos desencontros e pensar que o nosso será ele amanhã, mais uma vez sem chance de mudarmos o caminho e trocarmos o endereço das estrelas cobertas de sangue.



Stella Leite




Colaboração da amiga Stella Leite. Como aprendi com Alice e Zélia que escritos não podem ficar escondidos, decidi postar esse que me foi mostrado ainda com algum receio... Não há o que temer, Stella, apenas escreva e mostre sua alma ao mundo.

12 de março de 2008

Me disseram que aqui é LIVRE... então vim =)

"Amanhã nasce outro dia e começa tudo outra vez." (Alice)


(Photo by Lestrovoy)




A partir disso e de tudo que sabemos sobre amizade e loucura...

"...depois de todas as tempestades e naufrágios o que fica de mim e em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro" (Caio fernando Abreu)

Bem...assim são os relacionamentos, as pessoas, os vinhos e as amizades. Algumas coisas não se perdem, às vezes se deformam e às vezes derretem com o tempo. Outras não... outras renascem e outras morrem. O essencial nisso tudo é que há um existir e mesmo que não se entenda muito bem, o é mais que tudo. É mais que um não e um talvez. O haver mais que confuso existe e mesmo que não saibamos o que é, sabemos que é... e isso, quase que nos basta...pois o quase é melhor que o nada. E assim é. Assim há.

E. Alvarez

11 de março de 2008

Chuva no Deserto

photo by Chuscli - deviantart.com


Mas, dona moça,
A idéia era essa desde o princípio
E quando seu sorriso ressurgiu
Em meio ao caos e a dor e a falta da esperança
Foi raio em noite sem lua
E foi sol em dia de chuva

Dona moça ficou temerosa
E, remoendo, pensou:
O que ele vai achar de mim?
Reputar-me-á como vulgar?
Ou apenas utilizará dos meus encantos e,
Por fim, lançar-me-á no lugar de choro e ranger de dentes?
Suportarei tê-lo e depois perdê-lo?
Saberei ser muitas?
Conseguirei ir querendo ficar e querendo ir e querendo ficar?

Não há com o que se preocupar, dona moça
Não há o que julgar
Nem o que muito pensar
Há de se aproveitar o que se tem
E temos muito, pois antes era deserto
E toda gota de chuva no chão seco faz surgir vida

10 de março de 2008

Eu vi as estrelas...

Foto: deviantart.com


Há estrelas guardadas onde poucos podem ver
Um céu de promessas e amores e encontros e desencontros
Olhares, tensão, tesão e o sono que nunca chega
Corpos em movimento, irmãos em descoberta
Dúvidas, viagens e libertação de velhos hábitos que já não cabem mais
Olhar preso no futuro e um agora que será presente amanhã
Expectativas, planos e uma despedida de solteiro sem medidas
Maresia, álcool, segredos confidenciados em sussurros
Deveria sangrar, mas não houve guerra
Houve o que já deveria haver e há o espaço a ser preenchido
E há cada minuto para se guardar na memória
E há de se escrever uma bíblia para cada encontro
E ornar uma praça como palco para a beleza dos momentos
E já há saudade, e ela permanecerá quando chegar a hora
E a amizade será o testemunho do belo, do certo e do agora que já é eterno

8 de março de 2008

Don't Let Me Down (Ou Manifesto Pró-Metrossexualismo)


Existem muitas formas com as quais os homens se relacionam com a beleza. No passado as pinturas rupestres, as relações animistas com a natureza eram o pano de fundo para que nós expressássemos as nossas noções de beleza, tomados de admiração por um mundo ainda tão belo e vasto. Prosseguindo até a antigüidade observamos o quanto nossos antepassados valorizavam o cuidado com a beleza pessoal. No período da Grécia clássica as representações pictóricas davam não só a exata dimensão do que seria belo, mas acima de tudo determinavam o que poderia ser considerado belo. A relação do cristianismo com a beleza nem sempre foi muito clara, porém é inegável a contribuição da inspiração religiosa para as artes, e também para a própria beleza (enquanto simples representação de um modelo idealizado), já que na concepção do modo de vida das pessoas leigas os preceitos de como se vestir, ou de como se relacionar com o corpo eram preocupações da igreja expressa em várias doutrinações à época. Na modernidade o culto a personalidade tomou uma dimensão ainda mais relevante, o que tornou a busca por um cuidado pessoal característica dos grandes personagens da época, vide o caso do senhor Bonaparte como exemplo, ele que tinha o cuidado de nunca se apresentar sem estar devidamente paramentado com suas imponentes vestes, que eram um acinte a tradicional vida nobre até então levada na Europa.
Na atualidade o cuidado com a beleza pessoal tomou proporções infinitamente maiores do que nas épocas anteriores, pois a rapidez nas comunicações acelerou o acesso as informações, e os processos produtivos massificaram as novas tendências entre todas as camadas da sociedade. Fruto disto , desembarca em nossos dias atuais , a forte preocupação masculina com a aparência pessoal. A este fenômeno social tem-se atribuído várias denominações e rótulos, pejorativos ou não. No entanto é inegável que o processo atual é possivelmente irreverssível, a despeito das muitas tentativas de grupos masculinos para que a situação retroceda até o limite razoavelmente controlável, onde os nivéis de testosterona permaneçam garantidos pelo zelo com a manutenção da imagem do macho forte e dominador. Imagem esta que já não passa de uma tosca lembrança dos tempos no qual o mundo era ainda jovem e vasto. Digo isto porque basta olharmos os aficcionados do modelo Troglossexual para que neles encontremos rapidamente detalhes reveladores de suas reais relações com a aparência pessoal, devidamente camuflados por um ar meio que perdido em retóricas disfarçadas de opiniões próprias.
Bem mas o que eu quero apresentar aqui neste espaço é simplesmente o meu apoio ao que não pode ser modificado por homem algum, e que é justamente (parafraseando um dos últimos baluartes da troglossexualidade, o Sr. Juvenal Antena) a metrossexualidade adiquirida (parafraseando o grande compositor cearense Falcão). Onde ser cuidadoso com a aparência é fator de sucesso, onde a busca por uma nova cosmética determina as suas possibilidades, e principalmente por este novo modo de se relacionar com a beleza influir diretamente na criação de uma consciência mais sensível, e ao mesmo tempo racional, de que os homens podem e devem ter um maior cuidado com a aparência sem que isso implique necessariamente em um comportamento homossexual, ou coisa parecida. Então convido ao reposicionamento ideológico os idealizadores deste conceito equivocado que é a troglossexualidade. Peço veementemente que se abra o espaço para uma agenda de discussões sobre os benefícios da depilação, da manutenção ostensiva dos níveis de gordura no corpo, dos programas de embelezamento patrocinados pela nossa pujante indústria da beleza (símbolo máximo do nosso futuro que já chegou). A pena para aqueles que não agirem desta forma razoável será a inexorável marginalização dos espaços troglossexuais, a perda dos direitos a uma vida cercada de cremes e produtos anti-envelhecimento, ou o que é pior, a uma eterna dúvida existencial: "Devo, ou não, ir pro Peeling?".

6 de março de 2008

Não Poderia Ser Diferente

Não poderia ser diferente
Claro que há citações em cada linha
Em cada verso
No todo e na parte
No que se vê declarado e no que se esconde
No que se deseja
No que se confunde
Na dor da ausência
Na presença velada
No não querer mais
E querer sempre mais
Não saber se é possível
Ter o certo como improvável
Não ter o abraço
Temer o aconchego e o conforto
Não poderia ser diferente
Há o seu nome onde quer que se vá
E as letras compõem essa sinfonia sem graça
E não há prazer nas notas
E há apenas confusão
Sentimentos tortos
Um adeus que nunca houve
Mas que reverbera
E já não se sabe mais o que se faça

(Foto: deviantart.com)

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(foto by deviantar.com)
Horas que não sai nada. Mesmo o forno estando quente não consigo assar se quer as palavras que formam todo o meu vocabulário. A mesa já está posta, as bebidas estão geladas, mas as palavras ainda estão assando. Enquanto isso, é melhor mudar de assunto, ligar a televisão e ver o noticiário. Vamos falar de política, futebol, do vizinho mal humorado ou daquele parente que sempre pede dinheiro emprestado. Quem sabe assim fica mais fácil. Assim sempre fica mais fácil! É sempre a mesma conversa. A violência que aumenta, o casal de amigos que passa por uma crise, a temperatura do dia e os nossos questionamentos infundados. Mas isso tudo tem solução, já diziam os antepassados, como também mais da metade dos livros de Augusto Cury. Será um revés do destino ou uma sorte de fazer nossa própria realidade? Pode até parecer clichê, pois que seja um clichê, afinal de contas o que seria de nós sem os clichês! Sim, poderíamos reformular nossas mágoas, construir nossas receitas, enfrentar nossas faces, acalmar nosso mar e cuspir a solidão. Seja lá o que for, as palavras ainda estão assando e o tempo passa e passa rápido. Não que a gente vá conseguir fazer tudo isso falando em tom baixo, ficar sem dormir em quartos separados, conversar no feriado ou pedir a força de Sansão emprestada, mas quem sabe digerir as palavras do meu vocabulário com um bom vinho e a sobremesa de sua sugestão.
Mattoso

Um Pequeno

(foto: deviantart.com)

– Um pequeno, e rápido que estou com pressa!
– Senhor?
– Um pequeno, não já falei? Está surda?
– Mas um pequeno o quê?
– Como um “pequeno o quê”? Que tipo de pergunta idiota é essa? Afinal de contas isso aqui é um cafezinho ou não é? – enfatizou bem o termo “cafezinho”.
– Sim senhor, isso aqui é uma cafeteria, com certeza. – enfatizou bem o termo “cafeteria”.
– Então, pense comigo, já que estou percebendo que você não é muito de fazer isso sozinha. Se isso aqui é uma cafeteria, como diz você, então é porque aqui se vende café, não é isso?
– Sim senhor. – estava a ponto de avançar no pescoço dele como um cão raivoso. Mas já havia sido alertada pelas companheiras de que de vez em quando aparecia um cliente como aquele, mais abusado do que patrão em dia de pagamento.
– Então, se não vejamos, se aqui vende café, e eu pedi um pequeno, então eu quero um café pequeno. Não lhe parece lógico? Mas claro, me perdoe a arrogância, vejo que seus cabelos são loiros, não poderia esperar muito de você.
Mentalmente ela contava até dez. Tinha uma caneta na mão, uma simples esferográfica, mas lembrava-se bem de ter visto em um filme um cara matar outro com clipes de papel, se ela fosse rápida o bastante enfiaria a caneta no olho mais próximo e se deliciaria com a morte agonizante daquele estúpido. Percebeu que enquanto falava ele babava, cuspia todo mundo, o que lhe lembrou um porco. Pensava isso tudo com um sorriso solícito no rosto. Um velho truque aprendido no supermercado no qual trabalhara antes. Lembrou-se com prazer que certa vez, enquanto mantinha aquele sorriso plástico no rosto, xingou uma cliente por quase uma hora inteira, enquanto a atendia. Resolveu ver se conseguia bater o recorde.
– E então, vai ficar aí sorrindo ou vai me trazer um café pequeno?
– Senhor, nós temos vários tipos de café, e todos eles podem ser pequenos ou grandes. – babaca, estúpido, gordo idiota, balofo assexuado.
– Minha amiga, se é que posso lhe tratar assim, claro.
– Claro que pode, senhor. – fresco, veado, Bambi afogueado.
– Então que seja, cara amiga loira. Eu quero um café, é só isso.
– Mas nós temos vários tipos, como lhe disse antes. Temos o expresso, o cappuccino, o espumone, o latte, o russo, o inglês, e vários outros. – tenho certeza que seu pênis cabe dentro de um dedal, com folga, que você não levanta nem com Viagra, que mesmo que levantasse, ninguém em sã consciência deitaria com você seu porco imundo.
– Que mané inglês? Que mané russo? É por isso que esse país não vai para frente, estão substituindo o café nacional por esses sem tradição. Eu quero um típico brasileiro e vá logo.
– Um expresso pequeno, então? – você fede como gambá, fico imaginando que seu corpo nu só serviria como modelo de filme de terror, e essas unhas mal feitas e sujas, onde foi que as andou enfiando? Não me responda, seria muito indelicado provocar vômito nos nossos clientes.
– Isso! Mas ande logo que já estou atrasado para um compromisso.
– Pois não, senhor. – Bigode de rato. Folote. Arrombado dos cavalos de João Dantas. Ela gostava particularmente deste, havia aprendido com um amigo pernambucano.
Dirigiu-se ao balcão para efetuar o pedido com o rosto afogueado. Raiva? Não! Começava a se divertir com a situação. Estava imaginando algumas coisinhas que poderia fazer para sabotar o café do distinto cavalheiro que estava servindo. A mais simples era deixar o café esfriando no balcão um tempinho enquanto fingia atender alguma outra pessoa. Também poderia dar uma boa cuspida na xícara, antes de encher de café. Por um momento pensou em algo melhor, mas não daria para tirar as calças ali no meio do shopping e brindá-lo com um “café de ouro”, e depois não estava com vontade de se aliviar mesmo.
– Que é que estava pegando ali na frente? – Era uma de suas colegas, justamente a que fazia o café.
– Você não vai acreditar no quanto aquele imbecil é grosso. Quase me bateu só para pedir um cafezinho.
– Eu acredito sim. O que vai ser?
– “Um pequeno”.
– Um pequeno o quê?
– Pois é, tudo porque eu fiz a mesma pergunta. É um expresso pequeno.
– Ah! Vai deixar esfriar um pouquinho.
– Não. Manda um especial.
– Ok! Mas eu estou ligeiramente resfriada.
– Melhor ainda, será um especial asiático então.
Ambas sorriram. A colega foi fazer o café, mas antes deu uma boa cuspida, meio amarela, meio amarronzada, dentro da xícara. Preparou tudo e colocou sobre o balcão.
– Saltando um expressinho especial asiático.
– Perfeito.
– Está xingando ele mentalmente?
– Positivo e operante.
– Eu sabia que você se daria muito bem aqui.
– Obrigada.
Ambas sorriram novamente. Ela voltou para a mesa com o café sobre a bandeja. Mal podia esperar pelo grande momento.
– Já não era sem tempo! O que foi, estavam plantando o café?
– O senhor prefere adoçante ou açúcar? – babaca, mané, branquelo, gambá depois de correr uma maratona.
– Mas você consegue fazer cada pergunta não é? Você é realmente devagar assim ou está nos seus dias? Que negócio de adoçante é esse? Macho que é macho só usa açúcar, minha cara amiga loira. Açúcar, entendeu? E depois, por que perguntou se está tudo aqui em cima da mesa?
– Porque, como o senhor pode ver, em cima da mesa nós temos adoçante em pó e açúcar. Caso o senhor optasse por adoçante eu lhe perguntaria em seguida se preferiria o líquido. – beba o café, beba o café, beba o café!
– Que bonitinha, está tão amestrada! Agora saia daqui, tomar café requer concentração para apreciá-lo e você está me atrapalhando.
– Pois não senhor – saiu rapidamente em direção ao balcão. Sua amiga já estava lá pronta para se divertir.
Ficaram as duas bem atentas enquanto o cliente colocava meticulosamente o açúcar dentro da xícara. Parecia que realmente ele tinha uma espécie de ritual para tomar café. Depois de colocar o açúcar, pegou a colher com a mão direita, passou para a mão esquerda e começou a mexer o conteúdo devagar, cadenciado, quase que compondo uma música. Ao mesmo tempo fechou os olhos e aproximou seu rosto da mesa para aspirar o cheiro do café. Deu duas boas aspiradas e um pequeno sorriso surgiu no seu rosto. Elas não deixaram de pensar o quanto um homem pode ser ao mesmo tempo tão grosso e tão delicado. Surgiu até uma ponta de arrependimento pela peça que pregaram no cliente. Mas bom, estava chegando o grande momento. Ele pegou na asa da xícara e estava prestes a levantá-la quando chegou um amigo seu.
– Desculpe o atraso. Puxa, o trânsito está horrível!
– Que mané trânsito? Que mané trânsito? – disse pousando a xícara na mesa.
– Qual é, fica na tua! O trânsito estava ruim e ponto final!
– Que fica na minha? Que fica na minha? Fica você na sua!
– Termina logo com essa porcaria aí e vamos embora!
– Não me diga o que fazer! Se me encher muito o saco eu não tomo o café e nem saio daqui para lugar nenhum.
– Toma logo, seu imbecil, e vamos embora, o pessoal já está esperando.
– Não vou tomar, não! – cruzou os braços e fechou a cara, olhando para o outro lado. Um menino fazendo birra perderia de longe.
– Ah, vai tomar sim – era a garçonete que assistia tudo e mal poderia esperar para vê-lo virando o expressinho especial asiático. – eu não acredito que logo o senhor vai deixar que alguém atrapalhe o seu deleite de tomar um bom café?
– Estou começando a gostar de você loirinha. – disse isso quase estirando língua para o amigo que tinha chegado. Pegou novamente na asa da xícara e foi levantando em direção à boca.
– Agora deu para ouvir conselho de garçonete, eu não acredito!
– E daí? Que é que você tem a ver com isso? – pousando novamente a xícara na mesa.
– Vou contar para todo mundo que você está amolecendo.
– Não ligue para ele, tome o seu café e prove que quem manda é você.
Ficaram todos calados, um olhando para o outro. Ele estava começando a suar frio. Não sabia a quem dar ouvidos. Encontrou a solução. Ambos queriam que ele tomasse o café, então não tomaria, não pagaria e nem ia para o encontro que estava previsto. Pronto, assim não satisfaria ninguém e ainda sairia por cima.
– Não vou tomar, não vou pagar e vou para casa! – falou com um sorriso tresloucado estampado no rosto. Foi se levantando rapidamente e saindo da cafeteria, não deu tempo de nenhum dos dois esboçar qualquer tipo de reação.
– Puxa vida! Aquele idiota! E agora, que é que vou dizer para o pessoal?
– E eu? Como vou justificar este café perdido? – na verdade, estava triste por não ter se vingado das grossuras do cliente.
Silêncio.
– Bom, já que não tem nada mais para fazer, e o café já está perdido mesmo – o colega do cliente foi dizendo isso e tomando o café quase que de um gole só. – uma delícia! E tem mais, não vou pagar, porque se você não tivesse se intrometido ele teria tomado e ido comigo.
– Tudo bem, senhor. Fica por conta da casa. – ele não entendeu bem o sorriso satânico no rosto dela, mas o que importava? Tinha acabado de tomar um excelente café pequeno, com um gosto estranho, exótico, mas definitivamente muito bom.


5 de março de 2008

Duo


São duas realidades,
A que se quer ver
E a que se tem que ver
São duas caras,
A que se dá pra bater
E a que mostra como capa
São duas vontades
A que se sente pra fazer
E a que passa
São duas, suas, minhas
São nossas.

Troglossexualizando



Não me olhe assim
Minhas explicações
Não cabem no seu bolso
Minha troglossexualidade roxa
Faz meu Eu mais Eu
Os quadro do meu mundo
Eu mesmo os pinto
Em cada esquina
Grito - liberdade
Calar - aprisionamento
Me enterraria vivo

Zélia


Para meu amigo João e a expressão de sua troglossexualidade. ;)

3 de março de 2008

Troglossexualidade II - As Explicações

(Gravura: deviantart.com)


Não posso me queixar. Eu já sabia que seria mal interpretado, e convenhamos, meio que forcei a barra para que houvesse uma certa celeuma. A surpresa fica por conta dos comentários duros, porém muito educados, finos até, quando eu achei que ouviria poucas e boas. Acho que as poucas e boas eu ouvirei ao vivo, na primeira oportunidade em que os politicamente corretos de plantão estiverem comigo. Que venham, macho que é macho não foge à luta! Mas antes disso, preciso explicar alguns pontos que ficaram nebulosos no último texto. Para começar, eu acredito que hoje em dia basta alguém falar alguma coisa que não seja considerada politicamente correta para que seja prontamente tachada de preconceituosa. É uma verdadeira caça às bruxas. Essa pessoa estará prontamente OUT. Para ser IN, há de repetir, como um papagaio, o que todas as ONG’s dizem que é correto, bom e saudável para você pensar. Não sou papagaio, tenho minhas idéias próprias e as defendo. Também não sou um monstro, não moro em uma caverna e não escolho minhas parceiras com uma clava. O que defendo, e talvez isso não tenha ficado muito claro, é o direito a ter a minha opção de ser um macho à moda antiga. Não gosto de certas atitudes modernas que são aceitas com a maior naturalidade por todos. Basta ter propaganda na TV, ou passar na novela, e todo mundo acha normal, bonito e aceitável, e ainda mais, todos nós somos quase que obrigados a agir daquela maneira, sob pena de sermos preconceituosos e coisa e tal. Não gosto de roupa rosa, por que deveria usar? Não gosto de passar creme no rosto, salvo gel pós-barba. Por que deveria usar creme anti-rugas? Não gosto de filme romântico. Por que deveria assistir? Não gosto de bichinho de estimação. Por que deveria ter um? Gosto de deixar a barba por fazer. Por que deveria fazê-la todo dia. Gosto dos pêlos do meu corpo. Por que deveria raspá-los? Não gosto de cores berrantes. Por que deveria usá-las? Não estou preocupado se os outros gostam e fazem do jeito deles. Problema deles, delas, de ambos ao mesmo tempo, não me incomoda ou fere o meu jeito de ser. Apenas deixem-me ser o que sou, não forcem a barra para que eu assuma comportamentos ou atitudes que não fazem parte da minha forma de ser, do meu pensar, sentir e agir. E também não esperem que eu fique quietinho como um cordeirinho enquanto tentam violar o que acredito ser um direito meu, o direito de ser um troglomacho e não um metrossexual moderninho. E por fim quero dizer o seguinte, macho que é macho fala o que pensa e pronto, e nem precisa se esconder atrás de uma máscara anti-sinais e de um pijama rosa.

2 de março de 2008

A voz da Sabedoria


"Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda..."

Mario Quintana in:Bilhete


Uma apologia ao Amor de todas as formas,horas,idades e tempos.Embora,às vezes,o grito deva ecoar aos quatro ventos...

Troglossexualidade

(foto: deviantart.com)


Ando revoltado com esse lance da metrossexualidade e, antes de mais nada, vou logo dando a minha opinião a respeito do assunto. O metrossexual, para mim, é um homossexual que não se assumiu ainda. Está achando que eu sou preconceituoso? Não! Não sou mesmo! Pouco me importa o que as pessoas fazem de sua sexualidade, mas me incomoda, tanto quanto um bom chute nos testículos, assistir o que se chama de novo comportamento masculino, e pior, querer que eu entre na onda só porque é moderno e está na moda. Que fique claro, isso que se vê por aí não é comportamento masculino, é comportamento homossexual com roupagem nova, e sim, estou usando o termo homossexual, e não outros que acho mais interessantes, por que se eu os usar, corro o risco de ser processado. E claro, do contrário, você pode me chamar de machista à vontade, pois, ainda que eu fosse querer lhe processar (e não vou) nenhum juízo aceitaria a minha causa. Percebeu como as coisas estão ficando? Agora, pense comigo, que raio de homem malha os glúteos, ou melhor, a bunda mesmo? Algumas amigas já me confirmaram que as mulheres, de fato, admiram a retaguarda do homem, mas todas (unanimidade, vejam bem) atestaram que o que interessa mesmo são outras coisas, digo, outras partes da anatomia masculina, como aquele carinha que atende formalmente pelo nome de Pênis. Estão vendo, senhores metrossexuais? Malhem o pênis e não a bunda! Tem mais, já repararam no tamanho das camisas masculinas hoje em dia? São tão curtas que basta levantar um pouco os braços e aparece a barriga. Deve ser para aparecer a barriga tanquinho, não é verdade? Barriga tanquinho quem tem é metrossexual! Homem não tem barriga, tem bucho, pança, ou qualquer outra coisa, nunca um tanquinho, nunca! E depois, é normal o homem ir toda semana ao salão de beleza? Usar roupas multicoloridas e cheias de brilhos? Pintar o cabelo com loiro-claro-acinzentado-degradê-de-luxe? Homem se preocupar em aparar as pontas? Fazer as unhas das mãos e pés com manicura profissional? Raspar os pêlos do corpo, sem nenhuma necessidade esportiva? Usar maquiagem? Fazer lipo? Não chamar nunca um palavrão? Perceber quando uma amiga mudou o tom do cabelo de acaju-47 para acaju-46? Depilar-se com cera? Saber que danado de cor fúcsia é? Ser sincero, honesto, sensível, maduro, educado, vestir-se na moda, usar perfume francês e ainda ser bem sucedido e nunca ter sido casado? Isso não é homem, é metrossexual, e vocês já sabem o que eu penso a respeito de ser metrossexual! Macho que é macho não faz nada disso. Ele tem que ser troglossexual. Tem que coçar o saco, chamar palavrão. Usar tênis, jeans sujo e camiseta. Ficar careca, de cabelo branco e não estar nem aí para a história do Brasil. Não raspar a axila, e nem mesmo falar a palavra axila, falar sovaco! Macho tem que soltar pum, arrotar e beber whisky cowboy, e não coquetel sem álcool. O troglossexual não precisa derrubar sua companheira com uma clava. Ele pode abrir a porta do carro, deixá-la entrar primeiro no restaurante. Pode, e deve, ser educado com ela. Pode até não tomar as atitudes troglossexuais citadas acima na frente dela, mas ele, em determinado momento, faz e acha tudo natural. Não estou defendendo que o macho seja um porco. Não é isso. Ele apenas não deve ter a sua vaidade como sendo a coisa mais importante do mundo. Queiram vocês ou não, macho que é macho é bruto, é troglossexual. Pode não ser o tempo inteiro, e melhor até que não seja, mas tem que ser. Macho delicado não é macho, é metrossexual, e isso, caros leitores, não é ser macho. Abaixo a metrossexualidade, viva a troglossexualidade!