27 de junho de 2008

Luto é Recado Na Geladeira

( Foto por Mash11 - DeviantArt)


Era quarto de paredes escuras
Cortina vermelha pendurada na janela fechada
Boneca de pano com sorriso malévolo
Abajur de cores não descritas no dicionário
Teia de aranha junto do mofo no teto
Cheiro de velhice e juntas que estalam
Era um quarto
Era mais da metade
Era tanto quanto inteiro fosse
Mas tinha lápis
Tinha papel
Tinha esperança colorida em cordel
Escreveu em nanquim
Postulados de além vida
Desejos para antes do fim
Relógio quebrado apontando horas passadas
Tempo sempre igual
Temporal anunciado que chegou sem avisar
E na geladeira tem o recado de quem foi pensando em voltar
Mas o menino perdido na rua achou por bem fazer mal
Quem foi, ficou na calçada
Quem ficou, guarda lembrança que não vai
No quarto, tintas evanescem
Saudade é dor que não tem cor

17 de junho de 2008

Desatino de Solitário


(foto por Skize - DeviantArt)


Hoje eu procurei o seu corpo em minha estante. Ele não estava lá. Desconcentro e tomo remédios para dormir. Faço coça de mim mesmo, estereótipo de autor noir ambientando conto de terror em favela carioca. Fui ao quarto, fui à sala, olhei pela janela, mirei céu, cavei terra. Ele não estava lá. Troco o remédio por doses cavalares de álcool e sinto-me bailarino ao ver a minha casa rodopiar. Passo mal e conto segredos para o vaso sanitário. Talvez não fossem tão segredos assim, os vizinhos ouvem tudo e comentam baixinho o quanto o pobre coitado sofre por amor. E amor não é boa medida de vida saudável, ou talvez seja, ou talvez não seja, ou talvez seja. E desse jeito, puxando e encolhendo feito acordeom desafinado, vou cantando a minha história em versos e trovas e cordas e acordes que fazem a alegria alheia. A minha? Tem dia que sim, tem dia que não. É verdade. Já não sei de mais nada, confusão é meu sobrenome, meu nome é indecisão, o apelido é talvez, mas pode me chamar de Zé. Ninguém. Procurei, não achei, e deu aquela vontade de chorar em silêncio. Queria ao menos saber gritar de dor. Mas não fui educado assim. Obrigado mamãe, obrigado papai. Alguém sabe dizer de onde vem o maldito canto da sereia? Pago recompensa gorda para quem conseguir matar essa bruxa. Pago recompensa em dobro para quem me ensinar a não dar-lhe atenção. Lanço pragas ao vento, boa parte delas retorna e estapeia minha face. Lamúria de menino grande que perde a noção do que é certo e errado, que chora no canto da parede sozinho, que faz bico tão grande quanto sapato de palhaço. Menino exagerado que vê o que não existe.

Traduzindo em verso.

Hoje procurei o seu corpo
Mas não o encontrei
Sinto falta
E é daquelas que remove a razão
Quero mais de você
Sei que a distância não é para sempre
Sei que amanhã vou sentir o aconchego
Mas, na ausência, eu perco a noção
Invento mil histórias sem sentido
Imagino monstro sumério em tragédia grega
Ode romana em dia de incêndio
Exagero essa solidão fugaz
Que parece mil noites de história triste
Faço votos, pago prendas, rezo terço
Peço, simplesmente
Volta
Dá-me mais um pouco
Faz esse dia ser único entre tantos dias iguais
Embala meus sonhos de homem maduro
Seja a música do meu verso
Seja beijo, abraço, cheiro
Deixe que eu
Seja em você

15 de junho de 2008

É Tudo Mistério

(foto por Salihguler - DeviantArt)


É tudo certo mistério
Ou mistério certo do viver confuso
É tudo desejo de ser sereia que canta
Mas vive de ouvir canto de sereia alheia
E quando diz não, quer o sim
Quando diz querer, não está nem aí
Se diz saber, não faz idéia
Se faz idéia, pensa haver descoberto a verdade
Hoje reputa o sexo como sujo
Amanhã suja o sexo sem pudor
Bom é praia em dia de chuva
Chuva só combina com cama quente
Li minha mão, tu fazes parte do meu destino!
Sinto muito, estava míope, tu já és passado...
Tu me amas? Por que não dizes o tempo todo?
Larga do meu pé! És tão pegajoso!
Estou acima do peso? Podes ser honesto...
Como assim, gorda? Por que não mentiu?
Mas há o que não mude com os hormônios
Hoje é verborragia, amanhã também

O observador perplexo deste mundo particular
Perde-se em devaneios intestinos
Ora julgando ser capaz de decifrar o código
Ora negando a realidade inconteste
Na maior parte do tempo
Nem elas mesmas se entendem
Então o que é que você faz
Tentando entendê-las?
Não há de se perder tempo
Melhor curtir a companhia (quando a progesterona deixa)
E, quando começar a ficar confuso
Correr longe
Jogar futebol
Uma rodada de pôquer
Duas cervejas
E voltar, renovado, para os braços dela

8 de junho de 2008

Anjo, Assim Diz Ela

(Foto por Skaterboy - DeviantArt)


“Anjo...
amigo...
amor...
poeta...
e inspiração!”

A Ana Fernandes me mandou esses versos, pediu para completar. Completei. Espero que gostes, Mafalda.

Anjo
E se você diz assim
Então assim é
Outono se foi
Inverno deixado para trás
Primavera começa com flores
Verão vem
E, enquanto não chega
Criemos os nossos próprios dias de calor
Só um pouquinho... diz com languidez
Sussurra segredos
Escancara sorriso
Toma pela mão
Guia para si
Faz arte com o corpo
Enlaça e abraça forte
Pendura cartas de amor no varal
Faz poesia às escondidas como criança traquina
É festa com balões multicoloridos
É lua cheia que astronauta admira
Mar de águas claras em dia de sol
Linha reta em estrada torta
E ponto final em conto de amor

Anjo
Se você diz assim
Assim é
As asas são suas
Voemos alto sem medo de cair
Vamos perto do sol
Vamos longe no céu
Vamos fugir
Pousar em ilha desejada
Ver golfinho dançar para você
Mergulhar e fazer colar de corais
Sermos juntos
Ser eu, ser você, sermos nós

4 de junho de 2008

Portas

(Foto por Zechic - DeviantArt)


Portas...
Muitas portas
Muitas entradas
Poucas saídas
Porta que leva
Porta que trás
Vassoura atrás da porta
Teia de aranha também
Porta larga
Porta estreita
Porta da percepção
Salve Jim
Porta do Hades
Cérbero bonzinho, Cérbero bonzinho
Porta do Céu
Pedro e o molho de chaves
Porta-lápis
Porta-moedas
Portaria
Porta tudo quanto quiser
E assim leva-se a vida
Atravessando-se portas
Fechando-as atrás de si
Coragem? Ousadia? Loucura?
Deixando-as abertas
Temor? Segurança? Loucura?
Portas...
Importa vivê-las
Portanto, por tudo, por nada
Seja esperta
Encontre a chave mestra


Passeando pelo blog Esse Papo Também, vi um post que me inspirou a descrever estas portas. Thanks for the inspiration Camilla. Esse é para você.

3 de junho de 2008

No Espelho do Guarda-Roupa

(Foto por Helewidis - DeviantArt)


Cantor de bossa-nova desajeitado
Dedo longo, prosa pequena
Talento escondido no baú
Tradução de emoções para si mesmo
E veio o dia, que de belo só o nome tinha
O mundo bateu-lhe à porta e na face
E vieram as lágrimas
A despeito do sorriso bobo no rosto
Passou a aurora
Chegou o sol a pino
Adentrou a noite e
No último suspiro, dormiu
O sonho carregou o que de resto sobrava
E teve vento, teve chuva, teve de tudo um pouco
Fazia frio nos trópicos, nevou dentro do quarto
Cortejou ciclone, tempestade e precipício
Ouviu o convite da morte e disse não
Fez trança no cabelo
Tatuou dragão no braço
Acendeu cigarro perfumado
Lançou injúria no vazio
Rabiscou encantos na porta do banheiro
Saltou de braços abertos para a vida
Lasciva, ela lhe beijou o rosto
Fez promessa e lhe entregou o corpo
Descobriu seus segredos
Sentiu cheiro e sabor de sexo casual
Explodiu em nuvens carregadas
Caiu em gotas bem vindas
Cantarolou canções preferidas
E soube, por fim
Não havia respostas
Por que não havia perguntas
Estas eram desnecessárias
Por que tudo estava lá
Abriu os olhos e viu
Tomou o violão
E fez poesia