28 de fevereiro de 2008

Ahn?

(foto: caffe by rayman79 - deviantart.com)

– Ahn?
– Oh meu Deus... Oh meu Deus, você me traiu!!!!!
– Como assim? – Cuspindo fora um pedaço de pão de queijo – Que história é essa de que eu lhe traí?
– Como você pôde? – Olhos arregalados, o garfo suspenso no ar com um pedaço de pamonha com queijo, um princípio de beiço chorão nos lábios – Nunca pensei que seria enganada assim, principalmente por alguém como você.
– Deus do céu, mas que história mais maluca é essa? Como, de repente, você pode se virar para mim e dizer que eu estou lhe traindo? De onde você tirou isso?
– Aháá!!! Então você não me traiu, você está me traindo? É isso, não é?
– Nem traí e nem estou te traindo sua maluca!
– Mas você acabou de dizer que eu disse que você estava me traindo, quando na verdade eu disse que você tinha me traído, ou seja, você se traiu pela própria boca.
– Calma – Sorvendo um longo gole de refrigerante, olhos incrédulos mirando o movimento no shopping. Então era assim que as pessoas enlouqueciam, saía-se para um programa a dois num cafezinho e de repente vem o surto. Talvez ela fosse alérgica a algum ingrediente. Provavelmente à comida de milho, ou quem sabe ao queijo. Mas ele poderia resolver a questão sendo mais sensato que ela. – Em primeiro lugar me explique com calma o porquê de você achar que eu lhe traí.
– Agora não adianta mais, eu já sei que você está me t-r-a-i-n-d-o – Olhos semicerrados, soltou as palavras como um sibilo, segurava perigosamente uma faca. Tudo bem, tinha a ponta arredondada, mas era uma faca. – Mas mesmo assim eu lhe direi. Você disse “Ahnn?”.
– Ahnn???
– Isso mesmo.
– Isso o quê, ora bolas??
– Não se faça de inocente, você já me entendeu muito bem.
– Não, não entendi.
– É sempre assim, não é? Vocês homens são todos iguais. Fingem-se de burros quando o assunto não interessa. Mas se acha que você pode me fazer de idiota, perca as esperanças.
– Eu não quero te fazer de idiota – Sim, por que na concepção dele ela estava se esforçando muito para se tornar uma idiota sozinha, não precisaria da força dele. Mas, de toda forma, se ainda havia alguma esperança, ele tentaria contemporizar a situação, amaciar a fera e buscar um pouco de lucidez naquele papo maluco – O que é que o “Ahnn?” tem a ver com o fato de uma pessoa trair outra?
– Você pensa que eu sou burra? Você acha que eu não tenho cultura? É? Pensa que eu não percebo o desdém com o qual você me trata, só porque você passou no vestibular para um curso melhor do que o meu?
– Por favor, por favor – A voz como num sussurro, praticamente suplicando. Não acreditava que estava passando por aquilo. – vamos voltar ao assunto principal, não adianta agora ficar colocando suas neuras para fora.
– Está vendo? Fica me traindo e ainda me chama de neurótica! Eu não posso com isso, é muito duro para mim... – algumas pessoas ao redor começaram a prestar atenção à conversa – Pois vou lhe explicar, senhor cultura universal. Você disse “Anh?”, o que significa que você não escutou o que eu falei, o que leva logicamente a crer que você tem problemas de surdez.
– E?
– E eu li hoje no cabeleireiro, numa destas revistas femininas, que a surdez está diretamente ligada à traição. É isso. Você me traiu!!! – finalmente as lágrimas rolaram quentes pelo rosto, ela não podia aceitar o fato de que quando finalmente acreditava ter encontrado o homem da vida dela, ele a havia traído tão cruelmente. Mas ainda havia coisas importantes a descobrir. – Com quem foi? Foi com a sua ex? Com alguma amiga minha? Eu conheço? O que ela faz melhor do que eu?
– Fale baixo, você está gritando sem necessidade.
– Você me usou. Me seduziu com esse seu papo de intelectual, sempre muito educado, dizendo as coisas certas nas horas certas, e quando derrubou todas as minhas defesas usou meu corpo, minha mente, minhas mãos, minha boca. Eu me sinto suja, imunda, humilhada! E pensar que deixei que você fosse o primeiro...
– Fala baixo, está todo mundo olhando...
– ... A terminar na minha boca... – Som de vômito na mesa ao lado – ... a me possuir por trás... – Comentário na mesa mais a frente: “E ela me parecia ser de família” – ... a me ter por completo. Eu me abri toda para você, meu corpo foi seu, completamente seu. Isso sem contar nas minhas esperanças, nos sonhos, em tudo o que construímos juntos!
– Mas, mas... o namoro só tem três meses...
– E você acha isso pouco? Como assim só três meses? E se você já anda me traindo com tão pouco tempo, no calor da paixão, o que não fará comigo no futuro? Hein? Hein? Você não passa de um porco machista, um monte de hormônios descontrolados, um irresponsável – não agüentava mais, chorava copiosamente com os braços abertos. Numa das mãos o garfo com a fatia de pamonha de onde acabara de cair um pouco de queijo em cima de sua calça que o namorado mais gostava, na outra mão a faca perigosamente erguida, o que provocava calafrios no rapaz. Ela era louca, sem dúvida, e pessoas loucas são capazes de tudo.
– Meu bem – ele agora lutava pela sua integridade física – Não fique assim, acho que você está passando por um momento difícil. É a TPM, não é?
– Seu imbecil! – bradou, movimentando a mão com a faca. Silêncio completo no cafezinho. Alguém passava um chapéu coletando apostas. A maioria certa de que rolaria sangue. – É sempre assim na cabeça de vocês machos insensíveis, a mulher não pode desabafar suas angústias e sofrimentos e vocês vêm logo dizendo que estamos de TPM. Como eu pude ser tão cega? Como? Ninguém merece isso. – Baixou ambos os braços, estava exausta, curvou-se sobre a mesa e ficou perdida em seus pensamentos. Uma onda de alívio percorreu o pobre namorado, voltava a acreditar que ainda poderia ter filhos, mas certamente não com esta maluca. Alguém gritou, uma mulher obviamente: “Não deixa barato não, ele merece uma boa surra!”.
– Ahnn?? – disse ela.
– Como assim, Ahnn? – Ele quase não acreditava que tinha a chance de ouro nas mãos. Agora era sua vez. – Você está me traindo? Sua, sua, sua... – não poderia baixar muito o nível, queria ganhar a simpatia dos presentes – feminista de araque. – não era muito, mas dava-lhe um ar de superioridade. – toda essa cena e você está me traindo?
– Meu amor... – Surpresa, constrangimento. Pensou rápido. Uma máscara de perfídia cobriu seu rosto. Falava manhosa, cheia de dengos – Claro que não, meu anjo. Eu nunca que faria isso.
– Mas fez. – ele agora se divertia, não acreditava naquele papo sem sentido de que surdez tem a ver com traição, mas faria valer o seu teatro, e com certeza a faria chorar de arrependimento pedindo perdão. Os homens são hábeis nisso. – Todo esse blá-blá-blá para cima de mim e veja só. Como é, hein? Certamente depois que eu saio da sua casa, não é? Quem é? Já sei! – Abriu os braços como se tivesse descoberto a pólvora – É aquele marombado que trabalha com você. – apontava um dedo acusador. Ela baixou os olhos. – e você me enchendo o saco para que eu entrasse numa academia, agora eu percebo tudo! – por fora torcia o rosto num esgar mortificante, por dentro gargalhava freneticamente se divertindo pacas – E sei mais! – Ela agora chorava baixinho, enxugando as lágrimas com o guardanapo sujo. – Você se encontra com ele na hora do almoço também. É por isso que nunca quer que almocemos juntos. Você não passa de uma Maria Madalena hipócrita. – Sentenciou por fim.
– Mas eu te amo tanto... – uma dupla de executivos na mesa por trás deles nem piscavam os olhos.
– Ama? Como você pode me falar de amor? Lave sua boca antes de tocar num assunto tão sublime! Analise sua consciência deturpada antes de proferir mentiras vis! Para mim está tudo acabado entre nós. – alguém bateu palmas lá nas mesas que ficavam ao lado das escadarias rolantes. Ele se achou o máximo, que elegância, que vocabulário. Esse era o ponto em que ela choraria até não agüentar mais e certamente pediria perdão pela babaquice toda. Ele já acreditava que poderia lhe dar uma segunda chance, mas ficaria de olhos bem abertos para outro surto de loucura.
– Me perdoe! Me perdoe! – lágrimas grossas escorriam como um rio. Em breve o resto da pamonha estaria boiando no prato dela, e não seria no queijo derretido. – Foi mais forte do que eu, desde criança que eu o paquerava, e só agora foi que ele me deu uma chance. – falava tudo sem pensar, numa torrente incontrolável – Eu não sabia se nosso namoro ia dar certo, no começo eu achei que nós estávamos apenas ficando. Encontrei-me com ele apenas uma meia dúzia de vezes. Me arrependo tanto, me sinto suja, imunda, humilhada! Oh meu Deus! O que foi que eu fiz? O que foi que eu fiz? Destruí o romance perfeito. Me perdoe!
– Você está me traindo mesmo? – o mundo que cai. Castelo em ruínas. Gargalhada que cessa. Estupefação, para resumir tudo. Um silêncio mortal no cafezinho, poderia-se ouvir o microondas esquentando uma coxinha de galinha. – Você... você... está realmente me traindo?
– Você me perdoa amor? – manhosa novamente – Prometo que não vai mais acontecer...
– Mas... mas... o que foi que faltou? Onde errei? Quer dizer... puxa... eu nunca passei por isso...
– Posso trazer a conta, senhor? – Era um dos garçons. O dono já estava cheio daquela cena surreal, e o pior, ninguém mais pedia nem um expressinho que fosse. Tinha que dar um basta. Mandou o garçom lá, com ordens estritas de expulsar os dois na porrada, caso encontrasse resistência.

25 de fevereiro de 2008

Palavra Única - Versão Poema

Tem o blog da Alice, amiga escritora, que se chama Cosmic Library. Vale a pena sempre dar uma passada por lá. Acontece que ela escreve tão bem que toda vez que a leio me inspiro a escrever também. Dessa vez foi com um texto dela intitulado Palavra Única. Não resisti e dei a minha versão da idéia. I'm not stealling your ideas, crazy diamond. I'm not guilt if your texts make me fly over the sea of letters.






(Foto: Only Words, by Mika Heirinn - deviantart.com)





Palavra Única (Versão Poema)



Se houvesse no mundo uma palavra

E de tão bela que fosse

Não pudesse ser dita

A não ser cantada

Seria então transformada em cores

E com elas seriam pintadas

Todas as minhas dores

E já não haveria peso

Não estaria mais sob açoites

Terminaria o dia

Começaria noite

Estrela

Chão

E olhos agradecidos

Finalmente

Fazendo as pazes com o perdão.

22 de fevereiro de 2008

Meu Primeiro Plantão




Meu primeiro plantão, eu lembro bem, foi numa quarta-feira chuvosa. A delegacia na qual trabalhava é uma das melhores da capital, em termos de estrutura. O prédio é conservado, e tem, entre outras coisas, uma boa sala de recepção, um cartório só para o escrivão (um luxo), banheiros, uma sala para arquivos, o gabinete do delegado e um dormitório com camas e tudo. Veja só, camas e tudo o mais!

Eu fui trabalhar com um pouco de receio dos policiais antigos, mas como nunca fui de tirar conclusões precipitadamente decidi que todos eram inocentes até que se provasse o contrário, e a primeira impressão (aquela que fica) foi a melhor possível, o que acabou por se concretizar com o passar dos meses.

A delegacia fica localizada bem no centro da cidade, numa rua que depois das 21:00h é praticamente deserta. Sendo assim, logo acreditei que teria pouco trabalho pela frente, e isto sim não se concretizou com o passar dos meses, aliás, foi tudo bem ao contrário. E o trabalho começou naquele dia mesmo, pois lá pelas tantas a Polícia Militar trouxe um casal que estava praticando desordens no centro da cidade. O camarada era um tipo alto e forte, de poucas palavras (também pudera, tava chapado até às últimas) mas a mulher...

Mulher quando é presa vira bicho! E esta não era diferente. Chorava, gritava, esperneava, xingava a todo mundo com termos que iam do “policial derrota” (com perdão da má palavra) até “seus polícia f.d.p”. Isso me deixou curioso. Não o comportamento da presa, mas sim a passividade com que os policiais militares tratavam a coisa, pois na minha cabeça quando um preso agia daquela maneira ia para a porrada sem pena, mas eles nada faziam a não ser rir. Ela, de algemas nas costas, ficou prostrada numa cadeira, chorando, xingando e se lamuriando sem parar, com o cabelo desengrenhado cobrindo o rosto e um fiapo de catarro escorrendo do nariz. Enquanto que seu parceiro de arruaças permanecia em um silêncio digno de impávido colosso. Tanto era silencioso que não respondia às perguntas do Tenente, e foi aí quando um Soldado deu um safanão nas costas dele para que acordasse. Nesse momento um dos nossos policiais, um Agente, tomou a frente da situação e conseguiu, com o jeitinho brasileiro, explicações do preso, sem ser necessário uso de violência nenhuma.

Em seguida os dois foram colocados nas celas da delegacia. A partir daqui o grandalhão pareceu acordar de verdade e passou a ameaçar, em alto e bom som, todo mundo de processo, dizendo que estava sendo vítima de uma injustiça, que era um homem de bem, pai de família e blá-blá-blá. A sua companheira estimulava-o a cada frase dizendo que era isso mesmo, que deveria processar todo mundo, que nenhum policial merecia piedade, e aí ela se deu conta e disse:

– Mas se tu for processá mermo, num processa a Civil não... eles foram teu amigo, num deixaro a PM te batê.
– É verdade, eles num deixaram a PM me batê mermo.
– Pois é, o civil foi teu amigo.
– É... mas, veja bem – disse o grandalhão em tom de filosofia, de quem parece estar conversando consigo mesmo – até Jesus Cristo foi traído pelo seu melhor amigo. Ele foi traído por Judas... Judas "Carioca".

E isso, caros leitores, foi só o princípio das dores...

20 de fevereiro de 2008

Não vejo minha sombra


Eu leio aquilo que vivo, aquilo que sinto e escrevo pra que eu mesma me convença do que queria entender daquelas palavras escritas por outros que aqui passam. Eu tiro minhas conclusões, faço meus resumos e penso entender um pouco mais sobre você. Lido melhor com as suas frustrações do que com as minhas. Corro mais rápido quando as vozes dizem: contagem regressiva. Se já não entendo minhas contradições, as suas me parecem bem visíveis. Suas respostas parecem as minhas. Seu silêncio me provoca e me castiga. Gosto de ouvir pra que não tenha que falar a verdade, nem sempre as verdades te interessam, mas me mantem vivo. Mas essas dores, são suas ou são minhas? Não aceito em você aquilo que não aceito em mim. Só vejo em você aquilo que vejo em mim. Só falo de você, porque não sei falar de mim.
Mattoso.

18 de fevereiro de 2008

Penicos Gigantes


Andei pensando hoje nos políticos. Nossos políticos. Pois é, pasmem. Não gasto toda a minha preciosa vida pensando em futebol americano, motos, bebidas e mulheres nuas. Inclusive, quanto a estas últimas, as vacas andam tão magras que não as conseguiria trocar por um punhado de feijões mágicos. Acho que por isso ando pensando em políticos. Livre associação. Mulher, sexo, mulher que faz sexo por dinheiro, filhos de mulheres que fazem sexo por dinheiro...
Assisto ao noticiário, as novas são velhas, as histórias se repetem e sinto dores intestinais tão estridentes que penso que quem vai parir um filho sou eu. Um filho indignado, com certeza. Agora vem essa questão dos cartões corporativos. Quem, em sã consciência, acreditou que funcionários públicos (e eu sou um) de alto escalão, não concursados, nomeados ao bel prazer político, iriam utilizar de tal regalia em benefício do serviço, e lógico, da boa administração pública? Qualquer macaco treinado saberia no que essa invenção ia dar. Mas tenho certeza de que nosso amado presidente não sabe de nada do que está ocorrendo. Acredito nele, assim como creio no coelhinho da Páscoa. Acredito também que não seria justo soltar uma bomba atômica em Brasília, apesar de brincar com a idéia de vez em quando. Pois é... um lindo cogumelo atômico em pleno cerrado.... Putz! Lá ia eu de novo brincando com a idéia! Mas, de fato, estaríamos sendo muito injustos com o Niemeyer. Ele sim, não tem culpa nenhuma de terem confundido aquelas cúpulas lá com penicos gigantes. Inclusive, nossos políticos deveriam aprender algumas lições com a arquitetura da cidade. Tudo lá é muito plano, muitas curvas suaves, muito simples, muito lógico. Vote Niemeyer para presidente na próxima eleição. Não haverá erro. Apenas linhas elegantes riscando o horizonte do nosso país. Assim penso eu...

17 de fevereiro de 2008

Encaixes Soltos

(foto: deviantart.com)
Perdido e desengonçado entre sonhos e esperanças que temerariamente vão se concretizando. Deveria estar feliz, mas não consegue. Num arroubo de coragem, que ultimamente vem lhe faltando, lança-se na árdua tarefa de parecer o que não é. Consegue, mas não o tempo suficiente para esconder o que é óbvio. Já não é mais. Pronto. Nada mais há para fazer a não ser se juntar aos seus, em seu gueto. Não obstante lidar com crises de uma idade que já se foi e da idade que se aproxima, e talvez por isso chamem de meia-idade, há também que lidar com saudades diversas, tão difusas e dissonantes que chegam a não fazer sentido algum. Um cinema, sentado na mesma cadeira de sempre, uma loja visitada quando se queria presentear, um corredor onde compravam o sorvete, o banco em frente ao shopping de onde partiram para a primeira tarde em que se despiram e sentiram o quanto eram perfeitos e encaixados e belos um ao outro. Um vento sopra e traz novidades. Mas há o medo. E o medo é aquilo que nós criamos para nos proteger de nós mesmos. Para nos proteger daquilo que nos dá prazer, mas não conseguimos obter. E aí nos escondemos, fugimos e deitamos a sonhar, criando um mundo paralelo de alegrias e certezas absolutas. Nesse mundo não há solidão e nem saudades, tampouco há esperança, tudo já é, e não há o que querer mais. Nada mais parece estar encaixado, perfeito e belo como antes.

11 de fevereiro de 2008

Poemas Não Devem Ficar Escondidos

Tem lá o Empty Garden, uma comunidade no Orkut onde discutimos a solução para os problemas do mundo, a economia global, a cura do câncer e o novo corte de cabelo do Brad Pitt (aliás, não entendi até hoje o que Angelina - oláááááá, enfermeira! - viu naquele mané). Falo demais e me perco. Voltemos ao ponto central. Um belo dia, a Alice, colaboradora deste blog, fez a seguinte pergunta em um forum: "O que há com a nossa geração 'Coca-Cola'?". E eu, num dos acessos de loucura que de vez em quando dá, respondi com o poema abaixo. E aí ela e a Zélia, outra colaboradora, instaram para que eu postasse aqui. Concordei. Não tem título. Dê o seu. Dê os créditos também à Alice que provocou e à Zélia que me fez ver que poemas não devem ficar escondidos.




A Coca-cola acabou
A lata foi amassada
Foi reciclada
E virou chapa de alumínio
E foi montada em um chassi
E colocaram umas rodas, e uma direção
Colocaram uma logomarca bacana
Mandaram de avião
Chegou na loja e eu vi
Não tenho dinheiro que compre aquela lata de Coca-cola
A geração chegou ao fim
E já não sei mais o que fazer
Se me lanço do precipício
Ou me conformo com a mediocridade de uma TV e uma vida (in)feliz

Incertezas


Fiquemos certos de que o certo é sempre incerto. Não? Então de quantas certezas inúteis estamos falando aqui? De quantos goles nesse cálice amargo ainda precisamos para nos certificarmos de que não há do que se certificar? Foi? Leu no jornal? E daí? Quem te garante que aquilo foi realmente o que aconteceu? Como é? Ouviu de fonte segura? Quem fornece esse tal atestado de “fonte segura”? E depois, para que servem mesmo atestados? Quem tem certeza de alguma coisa? Quem garante? O que é real? O que é apenas uma brincadeira de mau gosto da tua percepção desfocada e desvairada? O que é julgamento de valor, se não sabemos com o que valorar, comparar, padronizar? E para que padrões? Quem garante que os padrões estão corretos e que quem não está no padrão é que está certo? O que é o certo? E o errado? E o inverso, que vira verso, e destoa das notas que foram lançadas em desafino com o universo? Quem, afinal de contas, quer fazer tantas questões, senão aquele que está perdido? E quem garante que aquele que está perdido não é exatamente o que se encontrou e apenas não se encaixa em quem procura encaixes? E nessa caixa, qual lado é para cima? E aí eu pergunto, isso importa?


8 de fevereiro de 2008

Entre o "ser ou não ser", onde está você agora?

Não apenas por ler a última postagem da Letícia mas por tantas outras coisas que teimam em voltar a minha cabeça, estive pensando que essa questão de "padrões" nos é involuntária. Inevitavelmente, "montamos" padrões para o que entendemos por vida. Faço os meus para mim e os seus para você. Tenho que me "encaixar" nos meus e nos seus para mim. Entre outras coisas, a "fuga" a esse padrão previamente estabelecido acaba por nos fazer sós. Penso no lugar que devemos realmente ocupar e que nos é "escondido", tantas vezes, por tudo aquilo que nos cerca. Todas as vezes que ouço "Wisemen" do James Blunt, acredito que o primeiro passo para chegarmos a esse lugar é nos permitirmos perguntar a nós mesmos "onde estamos". Quanto mais clara for a sua resposta, mais perto você estará de onde quer chegar...









"She said to me, "Go steady on me.
Won't you tell me what the Wise Men said?
When they came down from Heaven,
Smoked nine 'til seven,
All the shit that they could find,
But they couldn't escape from you,
Couldn't be free of you,
And now they know there's no way out,
And they're really sorry now for what they've done,
They were three Wise Men just trying to have some fun."

Look who's alone now,
It's not me. It's not me.
Those three Wise Men,
They've got a semi by the sea.
Got to ask yourself the question,
Where are you now?

Really sorry now,
They weren't to know.
They got caught up in your talent show,
With you pernickety little bastards in your fancy dress,
Who just judge each other and try to impress,
But they couldn't escape from you,
Couldn't be free of you,
And now they know there's no way out,
And they're really sorry now for what they've done,
They were three Wise Men just trying to have some fun.

Look who's alone now,
It's not me. It's not me.
Those three Wise Men,
They've got a semi by the sea.
Got to ask yourself the question,
Where are you now?"

James Blunt in:Wisemen

6 de fevereiro de 2008

Uma Xícara de Melancolia Como Desjejum

Acordou melancólico
Certo de que nada possuía
Teve um sonho, um sonho ruim
Não lembra, não quer lembrar, tem raiva de quem lembre
Quer uma taça cheia de boas memórias que não o façam chorar
Quer viajar e ser o outro
Quer as novas roupas do rei que está nu
Quer outro corpo, nova identidade, novos documentos e lenços para enxugar o suor
Não sabe o que sentir
Não consegue elaborar mentiras confiáveis
Não quer ser verdadeiro, não suporta ser falso
Uma música comprada na livraria, acompanha remédio para dor de cabeça
Um livro encontrado no chão, acompanha doses extras de tédio e muito o que fazer
Cobranças que não compreende, rastros de uma caçada infantil
Suas
Alheias
Vindas de todos os recônditos e espaços ínfimos que não consegue vedar
Julgava-se livre
Pura retórica indisciplinada e incompreensível arquitetada em pensamentos que não conseguem encontrar paz
Uma xícara de melancolia como desjejum

Photo by deviantART

5 de fevereiro de 2008

A Paisagem

Caiu em sua mão uma daquelas fotografias com uma paisagem espetacular. Exótica, distante, cheia de vida e de cores, cheia de mistérios e de flores, sem legenda. Não esperava, veio na boa surpresa trazida pelo vento que soprava sem destino. Sem destino? Que seja. Chegou ao destinatário correto. Postou-se em suas mãos. Dominou-o e o preencheu de tal avidez insensata que lhe faltaram a respiração e lhe somaram mais batidas no peito que já não cabe mais em si de tanta expectativa. Foi sedução, deu-se conta. E daí? Já estava perdido em sonhos e planos de viagem. Plantou-se o desejo em seu coração e mente. Quer conhecer. Quer ir além e mais adiante. Quer subir, quer descer, entrar e sair, provar, quer demorar-se em todos os lugares, quer tatuar em seu corpo. Quer levar consigo aquilo que já se sabe não poderá tirar do lugar. É uma paisagem, fazer o quê? Tudo bem. Não é egoísta. Outros poderão admirar. Mas ele sabe que, de uma forma estranha, aquela paisagem é só sua, e que ele nasceu para fazer parte dela.

1 de fevereiro de 2008

Outro Causo de Polícia

Sim, novamente o texto é verdadeiro do início ao fim...

Harry Houdini, Sua Discípula, um Aparelho Celular e um Par de Chifres

A história está recheada de mágicos que conseguem fazer desaparecer tudo o quanto se possa imaginar. Não imaginava eu que teria o prazer (ou desprazer, conforme você poderá optar mais adiante) de ver algo semelhante acontecer diante dos meus olhos.

Em um belo domingo de sol, lá pelo meio da tarde, surge uma viatura do presídio Flósculo da Nóbrega (que nome hein?), mais conhecido como presídio do Roger. Encosta na frente da delegacia e dela descem agentes penitenciários trazendo consigo uma mulher que fora detida quando da entrada para a visita dominical. Ela estava indo ao encontro do seu namorado levando objetos de praxe, tais como bolo, biscoitos, cigarros e uma outra coisinha a mais, um aparelho celular. O problema, pelos motivos óbvios, foi justamente o celular, pois como todos sabem, não é permitida aos presos a utilização de aparelhos celulares dentro de presídios (temos inúmeros exemplos na mídia do uso criminoso da telefonia celular dentro de prisões – vide a enciclopédia de Fernandinho Beira-Mar para maiores esclarecimentos).

A moça (eufemismo sarcástico elevado à enésima potência) fora barrada na hora da revista a partir de uma informação dada pela ex-namorada do detento, que obviamente estava com ciúmes por haver perdido um partido de tão sublimes qualidades (traficante, homicida e, nas horas vagas, ladrão de automóveis). Aqui cabe uma pausa para a seguinte reflexão: o que um detento tem que eu não tenho? Que aura mágica é essa que faz com que mulheres, a princípio capazes de manter relacionamentos saudáveis e produtivos, busquem relacionamentos bandidos (vide enciclopédia da cantora Simoni para maiores esclarecimentos)? Voltando à história, quando chegou a vez da mulher ser revistada as agentes penitenciárias já sabiam que ela carregava um celular consigo, e sabiam exatamente onde estava. Ganha um doce quem já adivinhou. No bolo? Não. Entre os biscoitos? Não. Disfarçado de cigarro Hollywood? Também não. Isso mesmo que você já deve estar pensando, pacato cidadão, a moça havia feito o aparelho celular sumir dentro de si mesma. E não na frente. Foi atrás!

Você faz idéia do que é ter um celular Samsung Slim, com bateria, enrolado com fita isolante, envolto em uma camisinha, escondido no ânus? Mágicas acontecem... mágicas definitivamente acontecem!

Pensa que ela estava incomodada com o fato? Nem um pouco! Incomodado fiquei eu, que, como sempre tudo de ruim sobra para o escrivão, fui obrigado a abrir aquele pacote revestido de cocô (novo eufemismo sarcástico, desta vez infinitamente elevado a enésima potência), para poder lavrar o auto de apreensão do celular. Mas tinha mais. Não no ânus dela, entenda. Tinha mais complicação para dar contornos de dramalhão mexicano à história.

Poucos minutos depois dela haver chegado à delegacia, surge o seu marido. E a galera vai ao delírio! A moça que foi ao presídio com um celular alojado dentro de si (desligado, vale salientar, para que não incomodasse caso tocasse, conforme ela mesma nos contou), levando-o para o namorado, tinha um marido! Ou seja, ela não faz apenas as coisas sumirem, também faz aparecer protuberâncias "pontudas" na cabeça alheia!

O pior foi ver o cara começar a chorar aos pés do delegado pedindo clemência para a “pobre coitada” de sua esposa. Dizendo que ela era uma “boa moça” (aqui não é eufemismo, é idiotice mesmo), que perdoava ela, que fazia de tudo por ela e blá-blá-blá. Era uma cena que fedia, literalmente, e também deprimia.

A moça, quando ouvida, nos contou que a primeira vez que foi ao presídio tinha sido na companhia de uma amiga, cujo irmão estava preso e o qual veio a se tornar o namorado em questão. Segundo ela, foi “amor à primeira vista”, e desde então passou a freqüentar o local, tanto aos domingos, nas visitas gerais, quanto nos dias de visitas íntimas (baseando-me na anatomia dela, imagino a anatomia dele). Em todas as vezes ela dava desculpas ao marido dizendo que iria na casa da mãe, ou pior, iria na igreja rezar!

Por fim, ela foi autuada. Como o crime é considerado de menor potencial ofensivo, ela apenas assinou um termo de compromisso na delegacia e foi liberada para responder à justiça em liberdade.

O marido a levou para casa repetindo em todo o momento que lhe perdoava a falta.

Quanto a mim, lavei incessantemente as minhas mãos até o fim do plantão e nunca mais toquei num Samsung Slim. Certas coisas provocam traumas irrecuperáveis.