21 de janeiro de 2008

A Calculadora do Amor

– E então, o que você tinha de tão importante para me falar? – Disse isso após tomar um gole do seu Espumone.
– É algo que talvez você não goste. – Ele estava visivelmente contrariado e nervoso.
Ela não estava gostando nem um pouco da situação, principalmente por que não tinha a menor idéia do que estava por vir, o que a deixava aflita e ansiosa. E quando estava assim tinha um tique nervoso bastante visível. Balançava as pernas sem parar.
– Tudo bem, não se preocupe – deixe isso para mim, pensava ela – eu decido se vou gostar ou não – estava torcendo para que fosse uma tremenda babaquice, e logo depois de tudo resolvido proporia uma rapidinha no motel mais próximo para relaxar. Estava merecendo.
O mais importante de tudo era de que ela o amava profundamente. Depois de diversos romances sem qualquer futuro, tinha certeza de ter encontrado a pessoa certa para viver ao seu lado. Diferente dos outros, ele não era muito dado a sair sem ela, era muito educado e dava explicações sobre tudo o que fazia, tantas que às vezes cansava. Mas ela gostava, dava uma sensação de que tudo estava sob controle. Nem por um momento passava em sua cabeça que ele seria capaz de traições, ou sequer olhar para outra mulher com olhos cobiçosos. Suas amigas não acreditaram no começo, e davam-lhe conselhos lembrando-lhe que todos os homens são iguais, só mudavam de endereço. Mas agora elas também sabiam que ela tinha tirado sorte grande. O professor de matemática ali na sua frente era uma pedra preciosa que deveria ser cuidada e mantida sob qualquer alegação.
– Ahn... é.... bom, você sabe o quanto eu gosto e respeito a matemática não sabe?
E como sabia. Ele calculava praticamente tudo. Certa vez, ao fazerem juntos a sua feira ele saiu somando de cabeça o valor da feira a cada produto retirado das gôndolas. Ela até achou bom quando o valor que ele havia dito foi diferente do somado no caixa, afinal de contas era um atestado de que ele também era passível de erro, logo era humano. Mas ele insistiu no seu valor e acabou provando que a diferença de centavos tinha ocorrido por erro de precificação do supermercado. Naquela noite ela mal conseguiu dormir. Estava namorando um computador, e dos bons. Além disso, era um amante formidável. Não um exemplo de beleza, um deus grego, e inclusive estava ficando calvo (o que o deixava nervoso), mas era bonito e ela achava extremamente sexy quando ele ficava seminu na cama, lendo e de óculos. Ah, como aqueles óculos o deixavam sexy. Levaria-o ao motel hoje nem que fosse à fina força.
– Sim, eu sei, e o que isso tem a ver com o assunto?
– Bem, é que...
O café já tinha acabado. Pediria outro, não conseguia disfarçar sua tensão. De tanto balançar as pernas já estava quase derrubando a mesa. O que o estava incomodando tanto? Será que ele queria acabar o relacionamento? Pior, do jeito que era, ele provavelmente contaria que não era tão fiel assim e que não conseguiu resistir aos encantos de alguma aluna sua. Ou que era homossexual, ou bissexual ou pluri-pan-sex, ou qualquer coisa que o valha.
– Homem pelo-amor-de-Deus, fala logo!
– Tudo bem. Eu estava ontem na net, navegando atrás de umas questões de concurso para levar para a minha turma de cursinho resolver, quando, com saudades de você, decidi procurar alguma coisa para te mandar. Um cartão, uma foto, ou qualquer coisa assim. Achei um site de namoro que tinha um programinha chamado “Calculadora do Amor”. Você sabe o quanto eu gosto de matemática, num sabe?
– Sim, claro que eu sei, ora bolas. E vendo uma calculadora não resistiu e foi lá conferir o que aquilo tinha a lhe oferecer, certo?
– Certo.
– E daí? O que foi que houve?
– Pois é. É que..., bem..., eu...,
– O quê? O quê? Desembucha!
– O programa funcionava da seguinte maneira. Ele pedia para digitar os nomes do casal e depois ele dava um resultado sobre o quanto aquele relacionamento poderia dar certo.
– E?
– Eu digitei o seu e o meu nome. O resultado é que não foi muito bom.
– Como assim?
– Ela informou que nós só tínhamos 35% de chance de dar certo. Eu fiquei tão chateado e nervoso com o resultado que inverti os nomes, botei o meu primeiro e depois o seu, o que foi uma tremenda tolice, já que qualquer criança sabe que a ordem dos fatores não altera o resultado. E novamente eu tive 35% de chance como resultado.
– Mas... e daí? O que é que você quer dizer com isso?
– Espere um pouco que ainda piora. Eu tentei de outras formas também. Botei só o primeiro nome e o sobrenome de nós dois. Não imagina a minha desagradável surpresa quando o resultado foi ainda pior. Deu apenas 29% de chance.
– Você ficou surpreso? Nãããããão! Surpresa estou eu!!!!.
– Ainda bem que você está entendendo, o que me faz acreditar que chegaremos num denominador comum.
– Eu não estou entendendo é nada, isso está pior do que minhas aulas de matemática financeira! – estava começando a ficar furiosa, não acreditava que seu namorado, até há pouco um homem exemplar, estava se deixando levar por um programinha inocente da Internet.
– Mas, eu estou tentando ser o mais didático possível. Essa anomalia matemática me deixou estupefato. E para que você não pense que estou sendo injusto, eu ainda tentei com os nossos apelidos carinhosos. Fessô e PG – Fessô vinha do diminutivo de professor e PG vinha de Progressão Geométrica. Ele dizia que a cada dia ela ficava melhor em uma progressão geométrica sem fim. Vai entender o que o amor é capaz de fazer...
– E qual foi o resultado? Qual?
– A equação ficou sem qualquer raiz real. As probabilidades estatísticas foram para o espaço. Percebi que havia um zero no numerador. Está entendendo o que quero dizer?
– Não! – sonoro e dilacerante – qual foi a droga do resultado? – algumas lágrimas já faziam força para sair.
– Realmente uma droga. 9% apenas. Uma equação sem solução.
– Isso não está acontecendo, isso não está acontecendo! – era impossível de se acreditar que o cara estava lhe dando um fora depois de brincar num site qualquer – Amor... isso é apenas um programinha idiota sem qualquer futuro. Não há base científica para a coisa. É tudo balela. Não podemos nos amedrontar por conta disso.
– Números não mentem. Jamais!
– É outra, não é? Alguma aluna sua com certeza!
– Não! Eu sei que é um pouco difícil de entender a minha linha de raciocínio, mas pode ter certeza de que não há outra.
– Mentira! Então é o meu hálito? Não te satisfaço na cama? Meu pum é muito fedorento? Eu sei que às vezes solto gases de noite quando estou dormindo, mas é involuntário. Me desculpe!
– Não é nada disso. Você é perfeita, ou quase. Na verdade você é uma armadilha matemática, uma equação que parece resolvível, mas que na verdade não tem solução.
– Não me xingue assim!!! Porque você simplesmente não é capaz de me chamar um palavrão que eu possa entender? E porque não me conta a verdade de uma vez por todas?
– Essa é a verdade. Desculpe-me, mas infelizmente os números não mentem. Nosso relacionamento está fadado ao caos, é uma curva com tendência a zero.
– Não pode ser!!!!
– Eu encontrei uma solução para o problema, mas acho que talvez você não goste.
– Me diga qual – falou sem muita esperança, mas bom, se havia alguma coisa com o que se apegar, então que venha.
– Saí testando nomes para você, de maneira que junto com meu a calculadora apresentasse um resultado com tendência a 100%. Testei vários e o melhor que consegui foi um que deu 98% de chances, o que convenhamos, foi um excelente resultado.
– É verdade, mas qual foi o nome que você achou?
– Bem... não é bem um nome, seria como um apelido, ou se você preferir, um nome artístico. Jennifer Maçaneta.
– Como assim???? Como ousa??? Primeiro que meu nome não é Jennifer, e eu ainda teria que me auto proclamar uma “maçaneta”??? Aquela que todos passam a mão???
– Foi a solução que eu encontrei! Eu sabia que você não gostaria muito, mas... pense bem, já houve uma época da sua vida que você se comportou assim.
– Seu desgraçado machista! Seu matemático insensível de uma merda! Como ousa falar do meu passado???
– Desculpe-me! Eu não queria causar sofrimento, ou pelo menos eu estou tentando minimizá-los ao máximo.
– Minimizar? Vou lhe dizer o que é mínimo aqui. Basta apenas olhar para o que está dentro da sua cueca. Isso sim é mínimo! E já que eu sou uma “maçaneta”, então eu tenho competência para falar. Você não passa de uma aberração lógica. Onde fica a teoria do caos de que você tanto falava?
Silêncio.
– Você vai acabar mesmo?
Silêncio.
Ela se levantou de supetão, quase derrubando tudo em cima da mesa. Estava furiosa e com o dedo em riste.
– Você é um chip de computador sem alma, um tarado matemático pervertido. Não passa de um covarde, de um menino imaturo, idiota e estúpido. Você não vale nenhum dos orgasmos que teve comigo, não vale o esforço de uma segunda tentativa, não vale um pum que eu solte de noite bem dentro do seu nariz. Está tudo acabado, entendeu? Acabado! – virou-se para ir embora, começou a andar e parou. Virou-se novamente para ele e disse – Tem mais uma coisa que eu não ia nem comentar, mas você está ficando careca. Entendeu? Muito careca! – seguiu seu caminho com o rosto cheio de lágrimas.
Ele ficou na mesa, um pouco constrangido com toda a cena, chateadíssimo por sua calvície estar evidente, mas ao mesmo tempo feliz. A matemática estava certa. Os números não mentem jamais.

7 comentários:

João Neto disse...

Eu sei... Gigante... Mas não deu para cortar nada... depois dele pronto fiquei constrangido de podá-lo...

Sentimental ♥ disse...

Oi WOODY LONGBONE, tudo bem?
Obrigada pela visita...
Beijos

Sentimental ♥ disse...

Ah, vou ler com mais calma tudo por aqui, depois comento...
+ beijos

Letícia disse...

Ainda bem que temos outros caminhos para darmos fim a um relacionamento. Eu usaria a velha desculpa de "mulher que prefere estar só a ficar ao lado de um ser que me fizesse lembrar meu próprio pai."

Letícia disse...

Sentimental?! Isso me lembra a velha canção. :)

Simoni Oliveira disse...

E nem poderia cortar nada né João eheheheh Muito bem desenvolvido. bjs

Sentimental ♥ disse...

Sensacional.
Então, quero o link da calculadora pra saber as minhas chances...
Beijos