14 de janeiro de 2008

Encontro ao Vivo

– Pão de queijo bom este, não?
– Sim, muito bom.
Silêncio.
Silêncio pra caramba.
Silêncio constrangedor.
Oh meu Deus, ninguém vai quebrar o silêncio?
– Preferiria que não tivesse queimado no fundo – ela sentiu que precisava dizer alguma coisa, mas puxa, tinha que falar “no fundo”, ele poderia pensar em duplo sentido.
– Pois é!
Silêncio.
Silêncio ainda mais.
Silêncio que dá para ouvir cabelo crescer.
Por favor alguém pense em algo para dizer!!!
– Eu gosto.
– Oi?
– Quando queima assim, no fundo. – Ele queria engolir as palavras agora ditas, ela certamente entenderia mal. Gostava que queimasse no fundo, puxa vida, o que ela estaria pensando agora?
– Ah!
Silêncio.
Silêncio de novo.
Ele começa a bater com os dedos na mesa. O que era bom, pelo menos não havia tanto silêncio.
– E aí? – pergunta ela.
– Aqui o quê?
– Modo de dizer.
– Ah!
– Alguma novidade?
– Ahn... te contei que meu pai resolveu voltar?
– Não. E tua mãe?
– Não sabe se chora ou se ri.
– É difícil...
– Pois é.
De novo o silêncio mortal. O lanche já ia na metade. Daqui a pouco não teriam como disfarçar a situação. Teriam que se enfrentar, ou melhor, conversar de verdade. Não haveria desculpas do tipo sou-educado-não-falo-com-a-boca-cheia.
– Pela Internet é mais fácil né? – Ele tomou coragem, quase não acreditava, as faces estavam vermelhas e o olhar perdido em um casal que parecia brigar a respeito de traição no outro canto do cafezinho, estava se lixando, tinha problemas maiores no momento.
– É.
Ela não ajudava. Estava mais tensa do que ele, e depois acabava de pôr o seu regime a perder comendo tanto pão de queijo, um grande sentimento de culpa lhe invadia. Estava começando a achar que tudo não havia passado de um grande erro. O encontro fora da Net, claro. Mas o pior é que o cara era ainda mais bonito ao vivo do que na foto que ele havia mandado logo nos primeiros e-mails trocados, o que era um grande milagre, já que não era raro mentir no ambiente virtual.
– Lembra como a gente se conheceu no Chat? – pergunta ele. Estava decidido a levar o papo adiante.
– Sim. No começo achei que tudo o que você falava era muito bom para ser verdade.
– Me chamou de mentiroso. – falou brincando.
– Não! Eu só quis dizer que parecia muito pouco real conhecer um cara legal como você na Net. – nossa, que bola fora! Esperava ter remediado.
– Obrigado.
– Não há de quê. – conseguiu. Mas foi por pouco. Ela e sua boca grande. Achou melhor ficar de boca fechada.
Ela se serviu de mais um gole de refrigerante. Ele começou a achar bonito o jeito dela pegar na latinha. Tinha classe, e depois era tão bonita quanto a foto enviada por e-mail. O que lhe fez ficar em dúvida se era ela mesma com quem se correspondia. Mulher bonita, cheia de classe, e ainda por cima inteligente? Era sorte demais para se achar num Chat. Por que foi assim no começo, muito papo sobre nada, e depois já estavam trocando confidências no MSN, passaram a se comunicar on-line, nada de sala de bate-papo, nada de e-mails demorados, tudo ao vivo, ou melhor, ao virtual, mas de toda forma era toma lá dá cá. Então só podia acreditar que ela era realmente inteligente. Além do mais tinha um bum-bum digno de nota. Não estava entendendo porque estavam tendo dificuldades para conversar frente a frente.
– Olha só, tem uma menina chorando lá na frente. – Ela se amaldiçoou por não conseguir manter a sua boca idiota fechada. Que é que tinha agora falar da vida dos outros? Ele ia pensar que ela era fofoqueira. E se há algo que um homem deteste é uma mulher fofoqueira.
– Oi?
– Lá no canto, tem uma mulher chorando.
– É. Acho que ele a traiu ou foi o contrário. Estava perdido em pensamentos, não deu para prestar muita atenção. – Pronto! O fim! Se há algo que uma mulher detesta é saber que o cara que está do seu lado não está lhe dando atenção. Talvez pior do que isso só se falar mal do cabelo dela ou dizer que ela é gorda.
– Um doce pelos seus pensamentos! – Agora sim! Agora sim! Tinha melado tudo, tinha certeza. Não havia nada mais ridículo do que falar “um doce pelos seus pensamentos”. Estava agindo como uma adolescente idiota. E certamente era isso que ele estava pensando dela, além, é claro, de ter certeza de que ela não passava de uma glutona de marca maior. Ele agora daria um risinho amarelo, se xingaria por ter apostado num encontro maluco daqueles, e assim que pagasse a conta e saísse do restaurante se encontraria com os seus amigos para dizer como era babaca a sua amiga virtual. Um completo fiasco como mulher.
– Um doce eu não quero. Que tal um beijo? – Suprema ousadia. Certamente levaria um belo tapa na cara, ela gritaria para todo mundo ouvir que não era aquele tipo de mulher e coisa e tal. Levantaria-se ofendida e bloquearia seu endereço para nunca mais receber nada. Desinstalaria o Messenger. Apagaria os e-mails recebidos. Expulsá-lo-ia do Orkut. Faria algum tipo de montagem nojenta com sua foto e lançaria na net para sua desgraça. Mandaria um spam para suas amigas avisando o quanto ele era um indivíduo perigoso, deveria ser preso e estuprado por um negão bem dotado todos os dias. Afinal de contas ele não passava de um tarado que escolhia suas vítimas pela rede.
– Pensei que nunca ia pedir... – falou se aproximando e beijando-lhe intensamente.
Silêncio novamente. Mas desta vez muito bem vindo.

João Neto

4 comentários:

João Neto disse...

Gosto de escrever textos assim. Leves, sem muitas pretensões, contando apenas a minha visão de alguns fatos do cotidiano. Espero que gostem.

Letícia disse...

São tantas histórias de gente que se envolve pela net e marca encontro e vai dar com a cara na parede ou dar de cara com gente doida. Mas se envolver através do msn ou emails é vazio e um tanto triste. Ainda lembro dos tempos de paquerar e mandar cartas. Não muito longe assim... tempos de verdade. Hoje em dia, fica sempre a tecnologia tirando de nós a humanidade que ainda nos resta.

Simoni Oliveira disse...

Surpreendente e revelador, simples como as palavras. Esse silêncio, tão citado, me fez lembrar as batidas do coração quando conversava com Beto sobre nosso futuro. Um suadoro, uma quentura na ponta da orelha, uma pontada na barriga, e no fim um beijo. E claro que os encontros ao vivo nos deixam muito mais bonitos, principalmente quando já se tem uma expectativa, um sentimento rolando no ar.

Sentimental ♥ disse...

Troca muito justa a do doce pelo beijo...
Beijos