21 de abril de 2008

Prefiro o Bonde da Lapa


Caminhava pelo centro de minha adorável cidade, João Pessoa, refletindo sobre coisas tão diversas quanto os problemas da segurança pública e o calor infernal dos últimos dias, quando, de repente, sou retirado dos meus devaneios por um cartaz singular que anunciava um espetáculo musical a ser apresentado em breve. Dizia assim: “Bonde do Maluco: O Fenômeno do Arrocha”. Definitivamente nasci na época errada e provavelmente no país errado também. Alguns felizardos podem dizer que viram surgir os primeiros acordes do Blues. Outros tantos podem dizer que acompanharam a gestação e nascimento do Rock’n’Roll. Alguns me dirão que ouviram o Punk Rock chocar ouvidos nos subúrbios britânicos. Muitos ainda se deleitarão em me contar que estavam nas praias do Rio de Janeiro quando a Bossa Nova veio ao mundo em acordes melodiosos de violão. E quanto a mim? Bem... eu posso orgulhosamente dizer que tive o incomensurável prazer de acompanhar o surgimento e queda de vários “fenômenos musicais”. Por exemplo, vi o Axé surgir em rimas suspeitas que falavam dos penteados da nega do cabelo duro e em seguida passaram a falar de mulheres que rebolavam sem parar e tinham predileção por gargalos de garrafa. Em seguida pude me regozijar com a ascensão do pagode romântico pré-fabricado. Eram aquelas bandas, quer dizer, grupos (por que banda é outra coisa) formados com seis ou oito caras legais, cada um fingindo tocar um instrumento, sempre fazendo uma coreografia enquanto falavam de cachaça, chifre ou problema. Pude ver o tradicional som do interior de Goiás ser reduzido ao fenômeno das duplas sertanejas. Era fácil, bastava juntar um cara que cantava pouco com outro que não canta nada (vide Zezé e Luciano para maiores esclarecimentos) e escrever canções que irremediavelmente falavam de, vejam só que criativo, chifre, cachaça e problema. Pude também me deliciar com as bandas de forró elétrico criadas no Ceará. Como bom nordestino que sou, vou dizer apenas que, se tivesse oportunidade, Luiz Gonzaga retornaria do além para passar a faca peixeira em todas essas bandas moderninhas (com nomes esquisitos, vide “Forró dos Plays” e sim, pode gargalhar agora) e transformá-las em picado para cozinhar uma boa buchada! Mas a coisa não pára por aí. Tenho que lembrar do Funk, pois foi ele que me trouxe a estas linhas. O Bonde do Maluco vai passar em minha cidade. Isso me preocupa. Tirem as crianças da sala, tapem os ouvidos, fechem os olhos ou corram o risco de serem “arrochados”. Nós não merecemos mais um fenômeno desses. Certamente alguns me rotularão de velho, chato e resmungão. Posso ser chato e resmungão, inclusive nunca neguei, mas, desculpem-me os moderninhos de plantão, eu não aceito nem que me digam que isso de bonde, seja do Maluco ou do Tigrão, é música, pois não é mesmo. E o que mais posso fazer além de lamentar? Enfim, que fique ao menos registrado este meu lamento. E, apesar de nunca ter estado no Rio de Janeiro, em se tratando de bonde carioca eu prefiro o Bonde da Lapa. Nele há muito mais poesia, elegância, história, beleza e música do que em qualquer outro bonde, seja ele maluco ou são.

2 comentários:

Letícia disse...

Hoje não estou de plantão e não entro no rótulo de "Moderna", mas sabe que adorei esse texto? Tô rindo - ainda com preguiça - acordei há pouco. Adorei essa narrativa. Uma viagem musical, como diria o Bono falando sobre o Rattle and Hum. E lembro dos grupos de pagode. My God!!! Terrible. Eles dançavam e falavam sobre "cachaça, chifre ou problema", como vc disse. Ainda bem que acabou. Agora esse bonde vai passar e vou ficar na minha, fingindo que não estou.

Letícia Do Circo. :)

Camilla Tebet disse...

OLha, me identifiquei de cara com o texto. Nasci no lugar errado, na hora errada. Mas ai pensei, quantos anos vc tem?? Apesar de todos as tendências musicais de gosto duvidoso que vc citou, ainda me sinto um pouco privilegiada de ter sido adolescente nos anos 80, quando algumas coisas boas surgiram na música brasileira. E agora, coisas boas também na música inglesa e podemos sempre, meu querido, comprar cds antigos e ouvir o tanto de blues e jazz que quisermos, para nos lembramos que muita coisa boa já foi feita.. é um consolo não é?? Andam me dizendo para ter esperança.. será que é mais ou menos isso??
beijos procê