16 de setembro de 2008

O grito do velho Chico

Canoa de Tolda do Rio São Francisco
Para ouvir o grito do velho Chico, basta olhar para o atual estado do Rio São Francisco. Está assoreado, todo seco, enlameado e mal amado. É comum o encalhe das embarcações, que antes navegavam em toda sua hidrovia. Não há mais peixes, em muitos lugares, hoje mal navegam as pequenas canoas do transporte dos ribeirinhos.
Longe ficou aquele rio grandioso, que era chamado rio da integração. Longe ficou aquele rio da minha infância, que vi pela primeira vez quando nos meus dez anos percorri de Propriá a Canindé do São Francisco, numa canoa de tolda, (com sua bolina de tábua, leme, moitão e a tolda que servia de abrigo para os passageiros) numa viagem inesquecível, que demorou uma noite e um dia, e que guardo na memória. Bem cedinho a gente saiu de Propriá e navegamos até quando anoitecia e o Sol nas margens do velho Chico desaparecia alaranjado, refletido nas águas do rio as cores amarela, vermelho e dourado, que lembravam as cores das paletas dos pintores. Logo a Lua no firmamento bela e faceira aparecia. Ainda hoje não sai do meu pensamento aquela linda noite repousando na praia de uma ilha do São Francisco.
Lembro-me da viagem, navegando na canoa ao sabor do vento e na peleja dos canoeiros para navegar contra a correnteza das águas que corriam para o mar, carregando troncos, galhos, baronesas e muita emoção. Ou contemplando as belezas do rio, seus barrancos, suas inúmeras curvas, a intensa luz que aos poucos ia se abacinando no fim do dia. Durante a noite, dentro do pequeno confinado espaço, coberto pela tolda da canoa, ficávamos enclausurado na nossa consciência que tínhamos perdido a liberdade que o rio proporcionava e de suas amplas campinas de arbustos que margeavam seus bordos, onde os pássaros silenciosos se recolhiam para passarem a noite. No céu, o imenso azul escuro do firmamento, era uma concha estrelada bordada pelo Criador que numa Divina inspiração criou este maravilhoso rio.

Um comentário:

Letícia disse...

Belo texto sobre saudade, Dalmo. O rio que antes era rio, agora é transposição. Mas a natureza encontra um caminho. E nós seguimos.